O dólar completou ontem o décimo dia seguido de alta, algo nunca observado desde o início do regime de câmbio flutuante, em janeiro de 1999. A moeda americana fechou o dia cotada a R$ 1,724, maior valor desde o fim de novembro do ano passado. Desde o dia 30 do mês passado, quando teve início esse movimento, o dólar acumula valorização de 8,5%.
O rali de alta, segundo avaliação de participantes de mercado, ainda deve permanecer no curto prazo, com a cotação podendo atingir patamares próximos a R$ 1,8 ou mesmo R$ 1,85. “Hoje a cotação tem piso, mas não tem teto”, disse um operador. O piso seria algo na casa de R$ 1,70.
Essa virada na tendência da moeda brasileira, que chegou a atingir R$ 1,53 em julho, decorre de três componentes. O primeiro é a taxação das posições vendidas na BM&FBovespa, que representavam apostavam na valorização do real frente ao dólar.
O segundo fator, e mais importante, é a piora do cenário externo, especialmente na Europa, que levou a uma fuga para ativos mais seguros (títulos americanos) e fortaleceu o dólar em relação a todas as moedas ao redor do mundo. Além disso, há uma menor aposta em uma nova flexibilização das condições monetárias por parte do banco central americano (Fed), o que depreciaria o dólar.
Esses dois fatores explicam cerca de 70% do movimento, mas o gatilho foi mesmo a queda surpreendente da Selic, de 0,50 pontos percentuais, na última reunião do Copom, no dia 31 de agosto. Essa foi a senha para o mercado montar livremente operações apostando agora na direção contrária, ou seja, na desvalorização do real frente ao dólar.
Os investidores estrangeiros passaram então para a posição comprada no mercado futuro, enquanto os bancos locais assumiram posição comprada no mercado à vista, pressionando a taxa. Não por acaso, a moeda brasileira teve uma forte queda desde então, mas em proporção muito maior do que outras moedas, constata o economista e professor da PUC-Rio, André Cabus Klotzle.
O professor chama atenção para o fato de que, apesar dos fundamentos positivos da economia e de um fluxo cambial positivo de US$ 8,12 bilhões (em setembro até o dia 9), o real já perdeu tanto valor quanto o franco suíço, moeda que deixou de ser flutuante após o governo estabeleceu um piso de 1,20 franco por euro, mesmo considerando que o franco caiu 10% no dia seguinte à decisão do governo.
As moedas com estreita relação com o preço de commodities, como é o caso do dólar australiano e canadense – sempre comparados ao real -, tiveram perdas inferiores à moeda brasileira nesse período.
Para Klotzle, o movimento do real está relacionado com a “passividade” do governo em relação à nova configuração da questão cambial, agora caminhando na direção desejada pelos mandatários. “Assim, os estrangeiros têm um ativo de ganho fácil, como o dólar futuro, onde basta comprar e elevar gradualmente sua posição, também de forma confortável. Os ganhos em duas semanas estão perto de 10%, e o potencial de retorno amplia-se cada dia mais”, diz.
Ao mesmo tempo, as operações de “carry trade” deixaram de ser interessantes para o especulador, menos por conta da redução dos juros – já que taxas na casa dos 8,5% ainda seriam atrativas, visto os juros próximos a zero no exterior – e mais pela taxação das operações no mercado à vista e futuro, explica Jorge Knauer, diretor de Tesouraria do Banco Prosper.
Além disso, conta um operador de um grande fundo estrangeiro, em momentos de grande incerteza como agora, a arbitragem passa a ser um tema secundário. “Tem muito investidor institucional tirando dinheiro da mesa. Há uma grande preocupação que algo possa acontecer na Europa da noite para o dia”, disse.
Se parte dessa desvalorização contra o real decorre do corte de juros, como queria o governo, o movimento do BC não foi bem recebido pelo investidor estrangeiro e teve um efeito colateral. A Selic menor também motivou a saída em aplicações nos juros futuros, com a volta da elevação das taxas de prazos mais longos, o que indica aposta em mais inflação no futuro e possível alta do juro real.
A nova tendência de desvalorização do real, portanto, tem pouco a ver com o fluxo, que na verdade continua positivo. Durou poucas semanas o período em que o preço do dólar no mercado local flutuou apenas ditado pelo movimento de entrada e saída de moeda. Esse foi o comportamento da taxa na sequência da medida do governo de taxar o mercado futuro, no fim de julho.
Por um lado, os exportadores continuam aproveitando a alta da cotação para fechar contratos de câmbio, trazendo divisas para o país. O saldo dessa conta em setembro, até o dia 9, é de expressivos US$ 4,315 bilhões. De outro, o investidor estrangeiro de longo prazo também ainda traz recursos via investimento estrangeiro direto (IED).
A expectativa é que a desvalorização permaneça por mais algumas semanas, pelo menos. No caso de um agravamento da crise na Europa, alguns analistas já trabalham com um cenário de câmbio ainda mais depreciado, com possível fuga de capitais.
O diretor do Banco Prosper pondera que a situação do Brasil é diferente do passado para enfrentar um cenário como esse. Até recentemente, o único instrumento de defesa era o aumento dos juros. Mas Knauer acredita que tanto o volume de reservas, hoje em US$ 352 bilhões, quanto uma possível reversão das medidas de taxação do capital estrangeiro poderiam ser usadas para proteger a moeda. “Dependendo da quantidade de fluxo, o país tem ferramentas para enfrentar uma possível especulação no mercado de câmbio”, diz.
No fim do mês, os investidores devem fazer uma reavaliação dessas apostas, afirma Italo Abucater dos Santos, gerente da mesa de dólar da corretora Icap. A partir daí, novamente o cenário externo pode ditar o ritmo, mas uma cotação na casa de R$ 1,8 aparece como um ponto de venda de dólares, diz.
Os bancos inclusive já começam a procurar uma porta de saída, caso haja uma reversão do fluxo, como mostra hoje a coluna “Por Dentro do Mercado”.