Especialista no setor sucroenergético, José Rubens Bevilacqua, diretor da Bionergética Aroeira S.A., de Tupaciguara (MG), apresenta, nesta entrevista, suas avaliações diante o cenário de eletricidade do Brasil, no qual a cogeração a partir da biomassa é estratégica, mas ainda relegada a um segundo plano.
Em sua opinião, o que o Governo deveria fazer de imediato para incentivar os investimentos em cogeração pela biomassa?
Bevilacqua – Antes de mais nada, definir uma matriz energética a longo prazo. No Brasil ainda temos hidrelétricas em construção, e várias em projeto. Se não tivéssemos os problemas hídricos, os preços pagos pela energia das termelétricas não seriam atraentes. Isso já correu no passado com as termelétricas do Eike Batista, que recebiam para ficar paradas. No mundo todo, as termelétricas são usadas em horários de picos e em épocas de alto consumo de energia.
Explique mais, por favor.
As termelétricas são complementares e isto tem de ser avaliado a longo prazo, com tarifas moduladas, remuneração estipulada em energia produzida x preço do combustível. Estamos falando em biomassa, gás, carvão, bunker etc. Hoje está na moda falar em etanol de segunda geração. Se isso ocorrer um dia de maneira comercial, onde as usinas irão encontrar bagaço para gerar mais energia, se o bagaço será transformado em etanol? Então, o setor precisa também se definir. A ideia do etanol 2G é uma visão de que as grandes usinas não terão mais áreas agrícolas para expansão, e isso também será um fator maior de concentração de produção, causando sempre a questão da logística x preços para termos o etanol competitivo em estados sem produção suficiente. Daí que a questão de energia como um todo deveria ser objeto de um estudo maior entre, governo, planejamento, setor de combustíveis e setores de energia. Mas não temos lideranças no setor, nem interesse do governo em promover um plano estratégico como deveria ser. Hoje o petróleo está na sua maior baixa dos últimos anos, mas ainda se fala em Pré-sal, xisto etc. Isso porque ninguém com juízo acredita ou poderá ter uma visão de longo prazo com petróleo vindo de áreas instáveis como Oriente Médio, África e da vizinha Venezuela. Portanto, o governo não pode fazer nada até o começo desta safra, pois só quem não tiver juízo irá fazer investimentos em um projeto com estrutura e viabilidade a longo prazo.
Os custos de transmissão para a cogeração seguem polêmicos. Por que?
Os custos de transmissão são definidos e estão em discussão para os próximos leilões das redes. O problema é que isto envolve as demais pontas do sistema, ou seja, as distribuidoras, os produtores.
Em sua opinião, o que deve ser feito para ajudar a das soluções ao sistema de cogeração?
O governo deveria fazer o arranjo da sociedade em prol da maioria. Significa que o os ministérios das Minas e Energia, Planejamento, Fazenda e Meio Ambiente deveriam formar grupos de trabalho, com gente entendida. Temos várias delas em universidades, temos pessoas do setor privado que poderiam explicar melhor a todos como a questão deve ser tratada. Hoje, as distribuidoras recebem as linhas dos acessante, no caso das termelétricas e PCHs, ficam com os ativos e ainda cobram pelo transporte da eletricidade gerada pelos acessantes. Alguma coisa está errada nisso aí. Quem poderia dizer se está certo ou errado seria um fórum onde participem todos os setores envolvidos, mas fazer planejamento a longo prazo já está demonstrado que não é a prática do governo que aí está.
Diante a crise hídrica, que deve ser ampliada com o fim do período das chuvas, o governo deveria ser mais rápido em incrementar medidas de apoio à cogeração pela biomassa, já que ela é implantada de forma rápida ante as demais fontes?
A implantação de energia térmica tem de ter um começo, meio e fim. Ou seja, não podemos todos sair no efeito manada e, por achar que o preço está alto devido a crise energética, se comprometer em investimentos com visão de curto prazo. A energia térmica de biomassa, por exemplo, é sazonal. Tem algo custo logístico, ou seja, a matéria-prima tem de estar próxima aos geradores e, além disso, qual é a necessidade atual para os próximos anos de energia térmica? Hoje, o principal problema do setor sucroenergético é o preço do açúcar, que nada mais é que o resultado de uma produção elevada em relação ao consumo, ou seja, trata-se de uma commoditie. Será que se sairmos todos investindo em energia em algum momento no futuro não teremos um excesso de energia na rede, e daí os preços recuarão para os R$ 12 por MW no PLD há dois anos? O que acontecerá se por acaso as chuvas inverterem seu ciclo de baixa e voltarem a serem nas médias históricas? Que preço o PLD estará? Claro que hoje, com o açúcar por volta de 14 cents a libra peso as usinas precisam de recursos adicionais e a energia sempre será a cereja do bolo, pois o que as usinas fazem é açúcar e etanol, e as energia é gerada naturalmente, já que nenhuma usina compra energia na safra e pode vender os excedentes. Mas os produtores de cana recebem seu pagamento relativo a quantidade de açúcar entregue nas usinas. Seria justo que as usinas recebam um alto preço pela energia, e não repassem nada aos produtores de cana? A qualquer momento essa pergunta estará sobre a mesa, e as usinas estarão preparadas para ter este custo em seus estudos de viabilidade de venda de energia? Os estados que cobram um ICMS altíssimo e pagam um preço político altíssimo pela falta de água, e com certeza em breve por racionamento de energia, irão manter os 25% em média de ICMS por uma energia final cobrada do consumidor, ou irão cobrar menos, no caso da energia térmica, que é por natureza mais cara que a hídrica. Então, dá para ver que o assunto tem de ser discutido, mapeado, e ter uma visão de longo prazo. Caso contrário, em algum momento a conta vai chegar e, como sempre, irá para o setor produtivo.
Qual deve ser o papel do BNDES nesse cenário de cogeração?
Dificilmente qualquer investimento produtivo será viável com juros de 13% ou mais ao ano. Imagine um investidor tomar recursos no mercado bancário do Brasil, nos juros atuais, e investir em alguma coisa. Investimento só é viável com uma parte dos recursos próprios gerados pelo próprio negócio e, para isto, qualquer investimento precisa de uma carência para que comece a pagar. Daí, se não tivermos organismos que visem o investimento a longo prazo, como o Banco Mundial e outros bancos de desenvolvimento, isso não será possível. Em nosso país, o BNDES tem sido o fator primordial em qualquer projeto a longo prazo.
Em sua opinião, cogerar durante a entressafra, mesmo com outras matérias-primas, tipo cavaco, deve ser incentivada? Deveria haver uma política pública de estímulo, já que na entressafra os custos de cogeração aumentam (com a compra de cavaco, por exemplo) e prejudicam a parada da indústria para a readequação?
Temos vários casos diferentes. Esta análise deve ser ampla. Por exemplo: temos usinas com várias caldeiras e daí podem ter uma manutenção por escalas e manter caldeiras, esteiras, turbinas etc funcionando. Outras não têm esta vantagem e em uma usina, volto a afirma, onde o objetivo principal é o de produzir e etanol e açúcar, trabalha em regime contínuo de 24 horas durante em média 244 dias. Portanto, na entressafra quem não fizer uma manutenção coerente e bem feita com certeza terá uma próxima safra com alta incidência de paradas mecânicas. As paradas causam uma perda grande na eficiência seja na produção de etanol, seja na de açúcar, além de prejuízos operacionais por ter de manter o maior número de funcionários, que são os agrícolas, parados sem produzir. As matérias primas, como cavaco, dependem da logística e isto tem de ser analisado com muito rigor, senão a conta não fecha. Com preços de energia em R$ 207 por MWh, como nos últimos leilões, os vendedores de energia que estão contando com cavaco têm de ter na tela o preço da celulose, senão não vão fechar as contas, além do mais o cavaco tem umidade alta dependendo da época do transporte. Por exemplo: o cavaco que tomar chuva pode ter sua umidade elevada de 30% para 75% e, com isto, o gerador vai pagar por água em sua balança, já que o mesmo volume de cavaco pesará muito mais, além de ter maior consumo nas caldeiras devido a perda de poder calorífico. O que precisamos ter é uma política definida a longo prazo. Afinal, qual será o índice de termoenergia necessária daqui a 10 anos? Se for interessante, podemos plantar florestas de eucalipto, por exemplo, em áreas agrícolas próximas às usinas e, que porventura, não sejam ideias para a cana. Temos de saber se queremos fazer etanol 2G ou energia. Se vamos produzir mais etanol ou açúcar, já que o casamento ideal para as usinas é produzir etanol e energia. Enfim, temos de ter uma conversa que seja séria e duradoura, e não porque hoje o preço está um bom negócio.