O Brasil pode dobrar a sua produção de grãos nos próximos anos, como fez na década anterior, e superar a marca das 300 milhões de toneladas em 2020. Dispõe de área, água, clima e tecnologia adequados para até ir além dessa marca, segundo a maioria dos especialistas. Mas o produto que é extraído da terra continuará enfrentando gargalos da infraestrutura precária, estrutura tributária inadequada e, entre outros, burocracia na concessão de crédito, caso não haja vontade e força política para mudar essa realidade.
O pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) e professor da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (Esalq), Mauro Osaki, acha que o menor dos problemas é o câmbio, apesar da valorização. “Temos de nos habituar ao real forte”. Para ele, a dificuldade está na deficiência da infraestrutura. Escoar a produção até os portos de Santos e Paranaguá a partir das regiões produtoras de Mato Grosso chega a custar quatro vezes mais que nos Estados Unidos, embora as distâncias sejam similares.
A maioria das cargas vai de caminhão porque é inviável por ferrovia, acrescenta Osaki. “Nossos modais não se conversam”, declarou se referindo às bitolas das ferrovias, que são diferentes, o que impede que um mesmo vagão trafegue longas distâncias, e ainda às hidrovias (que não dispõem de eclusas) e às rodovias, esburacadas de maneira recorrente. Quando as mercadorias chegam aos portos, novos obstáculos: além das longas filas de caminhões que se formam para a transferência das cargas, há ainda o impedimento de os grandes navios atracarem por causa do baixo calado.
Para o pesquisador do Cepea, toda a eficiência das fazendas se perde no caminho até o consumidor, seja do Brasil ou do exterior. Se a via, no caso das frutas, for aérea, a dificuldade é ainda maior, diante da atual situação dos aeroportos “totalmente travados”, insuficientes para atender a demanda, seja para mercadorias ou passageiros.
E, no entanto, é no Brasil que o mundo deposita suas esperanças para alcançar a segurança alimentar necessária para atender a uma população que não para de crescer, afirma o ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro do Agronegócio da Fundação Getúlio Vargas, Roberto Rodrigues. Pelo menos, é o que estabelece a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que atribui ao país a missão de elevar a sua produção agrícola em pelo menos 40% até 2020.
Na visão dos analistas estrangeiros, o Brasil já fez sua lição de casa, uma vez que dispõe de três condições essenciais para atender à demanda mundial por alimentos: área agricultável, tecnologia e gente capaz de explorar os 89 milhões de hectares que a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) afirma estarem disponíveis, além dos 72 milhões de hectares utilizados atualmente. A constatação toma como base o fato de o país ter 170 milhões de hectares de pastagens, que podem ser parcialmente liberadas para a agricultura de grãos, mediante a aplicação de tecnologia na pecuária.
O Brasil já exibiu a sua eficiência, lembra Rodrigues. “Em 20 anos, a área de cultivo de grãos cresceu 20% e a produção aumentou 180%. Nesse período, a oferta brasileira de carnes aumentou 404%”. Isso, em sua opinião, significa que o país preservou 57 milhões de hectares em florestas. A façanha, diz Rodrigues, foi feita com “protecionismo zero”. Foi possível graças à estabilidade da moeda e à boa gestão das atividades na propriedade rural. “Temos sim gente muito competente.”
Para o ex-ministro, o que falta é estratégia. “O poder público não tem noção dessa riqueza.” Para superar esse impasse, Rodrigues sugere ao governo que defina estratégias, a começar por uma política de renda para o campo, para evitar que o produtor rural fique a mercê das intempéries. Em segundo lugar, a tão falada infraestrutura. Para ele, isso já está em andamento por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que, bem ou mal, busca implantar recursos de logística para transporte e armazenamento da produção.