Empresários latino-americanos reunidos em Brasília acusaram ontem o governo brasileiro de adotar políticas protecionistas contra os vizinhos da região, enquanto usa os fóruns internacionais para cobrar a liberalização comercial dos países ricos. Eles colocaram em dúvida, no entanto, a tese de que a expansão das companhias brasileiras esteja gerando uma espécie de “imperialismo verde e amarelo” na América Latina.
O empresário mexicano Gilberto Marín, dono de uma indústria de fraldas e absorventes que está entre as 50 maiores “multilatinas”, resumiu as queixas. “Foram firmados diversos acordos de complementação econômica entre o Brasil e outros países da região, inclusive o México. Mas depois disso, quando um setor específico se sente ameaçado, vêm as barreiras não tarifárias: inspeções dobradas, argumentos fitossanitários, novas normas técnicas e impostos.”
A Mabesa, empresa de Marín, tem 27% do mercado de fraldas infantis e 55% de participação nas vendas de absorventes higiênicos no México. Recentemente, vendeu suas operações no Brasil para a Hypermarcas. Para ele, o protecionismo brasileiro causa “desconfiança em certos empresários” mexicanos” e não condiz com o que o governo brasileiro costuma defender nas organizações multilaterais. “Uma coisa é o discurso, outra é a ação real. E há ainda a percepção negativa que geram algumas ações, mesmo quando elas não ocorrem com frequência”, diz.
O equatoriano Christian Bakker, diretor da processadora de alimentos Pronaca, disse ter enfrentado problemas para vender ao Brasil. “É mais fácil exportar aos Estados Unidos”, comparou Bakker. A Pronaca tem faturamento anual em torno de US$ 700 milhões e investe há dez anos no cultivo de palmito de pupunha em Ilhéus, na Bahia. Tempos atrás, segundo ele, não pôde atender a demanda com produção local e a matriz tentou enviar um contêiner ao Brasil, “mas foi impossível”. “Às vezes existe um discurso de abertura, mas no momento de exportar esbarra-se em uma medida fitossanitária”, disse. “Vejo o Brasil como líder natural da região, mas suas portas devem estar mais abertas para o comércio e o investimento.”
O paraguaio Felipe Resck, presidente da Inpet, faz reclamações semelhantes. Sua empresa fabrica 1,2 bilhão de unidades por ano de embalagens plásticas, principalmente de PET, para bebidas e cosméticos. “O mercado brasileiro ficou dois anos fechado, para nós, por causa de barreiras não tarifárias”, disse. Ele afirmou que outros empresários do país, como a processadora de sucos Frutica, também enfrentam restrições que a impedem de vender para o Brasil.
O que mais intriga o paraguaio, porém, é a demora em conseguir as autorizações necessárias para investimentos produtivos. A Inpet tem fábricas no Paraguai, na Argentina e no município de Itu (SP). Nos últimos meses, abriu um escritório comercial no Paraná. “Não entendo como pode ter demorado três meses, apenas com a documentação, para abrir filial de uma empresa já constituída no Brasil.”
As discussões ocorreram na conferência “Américas+10”, promovida pelo Conselho Empresarial da América Latina (Ceal), enquanto ministros dos 12 países que integram a Unasul se reuniam no Palácio do Itamaraty para avaliar projetos de integração da infraestrutura. O Ceal divulgou uma declaração com sete recomendações para incentivar a internacionalização e a competitividade das empresas latino-americanas. Entre elas, está o treinamento de profissionais técnicos – principalmente engenheiros -, acordos para evitar a dupla tributação, redução da burocracia e maior proteção à propriedade intelectual na região.
Em um debate iniciado por Roberto Teixeira da Costa, ex-presidente do Ceal e integrante do conselho de administração da Sul América, o empresariado contestou a tese de que a projeção das companhias brasileiras indica um “novo imperialismo” na relação com os países vizinhos. O presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, foi contundente: “Eu honestamente não percebo que nos enxerguem como imperialistas”.
Ele contou ter ouvido um comentário que um ex-embaixador dos Estados Unidos no Brasil lhe fez quando o Equador expulsou a Odebrecht do país, em 2008, por supostas falhas na construção da usina hidrelétrica de San Francisco e irregularidades no financiamento da obra. “Como é que você se sente agora na pele de um gringo?”, perguntou o embaixador americano. A Câmara de Comércio Internacional, em Paris, rejeitou os argumentos do Equador.
Marcelo Odebrecht afirmou que uma prática de sua empresa é fazer “parcerias locais”, como a subcontratação de empreiteiras e sócios em unidades petroquímicas, o que minimiza as acusações de imperialismo. “A própria postura da diplomacia brasileira, que nós às vezes criticamos por ser pouco agressiva, acaba nos ajudando bastante”, avaliou.