O encontro de cúpula Brasil-União Europeia (UE), na semana que vem em Brasília, dificilmente terá a assinatura de acordos sobre transporte aéreo, vistos de turismo e negócios, além de parceria triangular com a África em biocombustíveis, frustrando expectativas do lado brasileiro.
Por outro lado, a negociação do acordo de livre comércio UE-Mercosul estará na agenda, mas Bruxelas já avisou que só em dezembro quer trocar novas ofertas de liberalização agrícola, industrial e de serviços. Alega que precisa antes definir um quadro normativo – regras de origem, salvaguarda, barreiras técnicas, fitossanitárias etc. Na prática, a UE mantém o pé fora do acelerador, em meio a pressões do setor agrícola protecionista, enquanto empresas europeias buscam desesperadamente ampliar seus negócios em mercados com forte crescimento.
O “draft” do comunicado conjunto Brasil-UE, ao qual o Valor teve acesso, mostra em oito páginas promessas de convergência e cooperação nas áreas política, econômica e financeira, que deverão ser destacadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelos presidentes da União Europeia, Herman Van Rompuy, e da Comissão Europeia (o braço executivo da UE), José Durão Barroso.
Na prática, as coisas se complicam. A ideia era anunciar em Brasília um avanço na parceria triangular Brasil-UE-África para a produção de etanol no continente africano, a ser vendido no mercado europeu. A iniciativa faz parte do plano brasileiro de criar um mercado internacional de etanol.
Os dois primeiros países africanos escolhidos a serem anunciados são Moçambique e Quênia. Mas os europeus querem adiar por um mês o anúncio envolvendo o Quênia, só após o referendo naquele país sobre uma nova Constituição. Além disso, o presidente Mwai Kibaki, visitado ontem por Lula, foi eleito em 2007 num pleito julgado fraudulento por parte da comunidade internacional e continua sob suspeita em capitais europeias.
Na parceria com a África, o Brasil entrará com tecnologia e expertise na produção do biocombustível. Os africanos terão vantagens para produzir e dar opção para produtores pobres melhorarem sua renda. E os europeus terão a garantia de abastecimento e de importação de etanol produzido sob estritos critérios de sustentabilidade ambiental e social delineados pelo Parlamento Europeu.
Apesar da disposição brasileira, acordos bilaterais que deveriam ser assinados na cúpula ficam para mais tarde em boa parte por causa dos procedimentos internos de decisão no bloco europeu. Por exemplo, cada acordo precisa ser traduzido em 22 idiomas, passar de novo por comitês de países e mais tarde pelos parlamentos nacionais.
Os europeus continuam fazendo consultas internas para tentar assinar pelo menos os dois acordos de transporte aéreo, mas parece difícil. O mais importante é o reconhecimento mútuo de certificados entre a Anac e a Easa, o órgão regulador europeu. Com isso, os aparelhos da Embraer e outros produtos aeronáuticos, já certificados no Brasil, não precisarão de nova certificação europeia. É importante também porque terá reflexos na exportação para outros países, que poderão se apoiar apenas na certificação brasileira.
O segundo acordo é sobre a designação de companhias dos países membros como europeias, não mais pelo país de origem, o que deveria facilitar as negociações de novos voos entre a Europa e o Brasil. A UE quer ir além e remover restrições a investimentos estrangeiros em companhias nacionais, para ampliar, alegando que haveria uma redução nos custos de preços das passagens.
Por sua vez, o acordo para eliminação de vistos para turismo e negócios por três a seis meses em todos os 27 países da UE também é vítima da lentidão no processo de decisão do bloco, mas a ausência de vistos já existe com a maioria dos países. O que falta é concretizar tudo num só acordo, acabando com incertezas, inclusive para os europeus que vão ao Brasil.
O “draft” sinaliza a necessidade de estimular o crescimento e diversificação do comércio e investimentos entre o Brasil e a UE. Mas muito disso vai passar pela negociação UE-Mercosul. Uma nova reunião técnica entre os dois blocos deve ocorrer em setembro. O Brasil aceita discutir o quadro normativo, como quer a UE, mas já avisou que isso deve incluir o que fazer com os subsídios agrícolas. O Mercosul não quer dar preferência em seu mercado, com redução de tarifas, para produtos europeus agrícolas dopados por subvenções.