Controle da inflação ou motor da economia? A relevância da Petrobras extrapola em muito os interesses de seus acionistas e fornecedores, com forte peso nos resultados da arrecadação nacional, balança comercial e investimentos – como poderá ser comprovado amanhã, quando a empresa divulgará o seu balanço. As análises de especialistas e números levantados pelo Valor mostram que a resposta à pergunta inicial é que a gigante petroleira se mostraria mais útil à economia do país funcionando a plenos motores.
Com um peso equivalente a 10% dos investimentos produtivos do país, a estatal poderia dar uma contribuição à atividade econômica proporcional ao seu tamanho nos próximos anos. Caso consiga tirar do papel os US$ 236 bilhões em investimentos previstos para o período entre 2013 e 2017, o programa adicionaria nada menos do que 0,6 ponto percentual em média, ao ano, à conta do Produto Interno Bruto (PIB).
Mas o que a realização integral dos investimentos da estatal pode adicionar ao PIB nos próximos anos, a política de controle de preços dos combustíveis, se mantida, tem o poder de continuar a tirar. A estratégia reduziu em 31,6% a arrecadação do governo com tributos incidentes sobre as atividades da Petrobras entre 2008 e 2012, segundo dados corrigidos pela inflação. Como percentual do PIB, o impacto impressiona ainda mais. No período de 2008 a 2013, o valor dos tributos pagos pela Petrobras caiu de 2,1% do PIB para 1,6%.
Os números ganham ainda mais relevância em uma economia que cresce em ritmo mais lento. Na comparação com outras políticas econômicas, dar mais liberdade à Petrobras tocar os seus projetos e reajustar seus preços também parece vantajoso. Basta lembrar que há algumas semanas, o governo divulgou estimativas segundo as quais a desoneração da folha de pagamentos dos três primeiros setores beneficiados pela redução de impostos em 2011 elevou o PIB em 0,17 ponto percentual.
A estimativa do impacto dos investimentos no PIB, feita com exclusividade pela consultoria Tendências a pedido do Valor, mostra a relevância à economia brasileira de uma companhia, cuja performance nos últimos anos deixa a desejar. Considerando apenas o que a Petrobras investiu em 2012, os R$ 84 bilhões equivalem a 10,5% de tudo o que foi investido na economia em máquinas e equipamentos e na construção civil – a chamada formação bruta de capital fixo (FBCF). A conta mostra também que empresa e país estão bastante conectados e como, de certa forma, o que acontece com um reflete os desafios que, em larga escala, é enfrentado pelo outro.
A Tendências levou em conta R$ 555 bilhões em investimentos – o volume anunciado convertido a um dólar médio de R$ 2,35. Desse total, 95% foram considerados, percentual que efetivamente deve ficar com o Brasil, segundo disse a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, em Davos, na Suíça. O exercício contemplou ainda o chamado “efeito multiplicador” dos investimentos no PIB, segundo o qual cada R$ 1 investido na economia gera aumento de R$ 1,9 em, por exemplo, geração de emprego e contratação de outros serviços.
Para Alessandra Ribeiro, economista da Tendências, os números impressionam porque, no geral, as projeções de investimento feitas pelos economistas incorporam variáveis macroeconômicas com impacto mais relevante na construção civil e no consumo aparente de bens de capital. “Neste sentido, tratei dos investimentos da Petrobras como algo exógeno”, explica.
O que poderia atrapalhar um cenário que parece tão promissor? Na avaliação de especialistas, o incremento significativo que os planos da petrolífera poderiam trazer ao PIB esbarra em uma variável econômica importante: a inflação. Em dezembro, a defasagem dos preços da gasolina no mercado interno com relação ao internacional chegou a 23,6%, já incorporados os reajustes dados pelo governo ao longo do ano, segundo a Tendências. O repasse integral dessa defasagem teria adicionado 0,7 ponto ao Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Considerando a alta de 5,9% do IPCA em 2013, o repasse teria feito com que a inflação medida pelo indicador encerrasse o ano acima de 6,5%, o teto da meta. “Não é à toa que o governo segura na unha para não dar esse reajuste”, diz Alessandra. Em 2010, o repasse teria adicionado 0,1 ponto à inflação. Em 2011, 0,4 ponto e, em 2012, 0,6 ponto. Embora o diesel tenha maior participação no faturamento da Petrobras, é a trajetória da gasolina que conta na inflação porque ela corresponde a uma fatia bem mais significativa do IPCA, de 3,8%. O diesel tem um peso apenas residual no índice, de 0,1%.
Desde 2005, no entanto, a defasagem do preço da gasolina no mercado local em relação ao cenário internacional vinha se ajustando, até se transformar, em 2009, em uma diferença – a favor da Petrobras – superior a 27%, segundo dados da consultoria GO Associados. Depois disso, o quadro só piorou. “O que era uma medida de caráter temporário se tornou uma política, especialmente de 2011 para cá”, diz o diretor de pesquisa econômica da GO, Fabio Silveira.
Segundo Silveira, se os repasses tivessem sido feitos de forma integral ao longo do tempo, o impacto sobre a inflação seria certo, mas talvez menos significativo. “Entre 2011 e 2013, o atraso médio [com relação aos preços externos] foi 14,4% ao ano”, nas contas de Silveira. “Se tivesse sido dado o reajuste, o impacto sobre a inflação seria modesto frente à degradação do resultado da empresa e dos danos que isso traz para outras empresas públicas e privadas e para a própria avaliação do país”. Para Silveira, o preço pago para controlar a inflação foi “alto demais.”
Will Landers, gestor sênior para a América Latina da americana BlackRock, diz que a empresa parece ter todo o “comprometimento possível” para cumprir o seu cronograma de investimentos, mas acredita que o maior empecilho seja a capacidade de continuar a emprestar dinheiro no mercado e manter o “famoso” grau de investimento. “É essa conta que a defasagem dos preços de combustíveis atrapalha, já que as perdas no refino diminuem a lucratividade e capacidade de gerar caixa.” A Petrobras corresponde hoje a 5% dos US$ 4 bilhões sob gestão de Landers. A fatia da ação nos fundos da BlackRock acompanhou a queda do papel no índice MSCI, de quase 20% em 2008 para cerca de 8%. Frederico Sampaio, da Franklin Templeton, resume o imbróglio: ou a Petrobras pega mais dívida e perde o grau de investimento, ou faz nova capitalização, ou ajusta os preços dos combustíveis se quer investir mais. “A equação do jeito que estão não está fechando”.