Redação (25/11/2008) – A crise no mercado internacional de crédito atingiu as pequenas tradings que operam no setor rural. Sem acesso a linhas externas de financiamento ou caixa para bancar a antecipação de insumos e recursos no campo, parte das empresas está devolvendo aos produtores as Cédulas de Produto Rural (CPRs) emitidas como garantia de entrega futura da produção. E as companhias já projetam forte recuo no financiamento da safrinha de inverno. Peri Castro/MCPress
Arrastadas por apostas equivocadas nos mercados futuros e pela inadimplência de alguns produtores, grandes tradings já haviam deixado o mercado antes mesmo da piora na crise financeira global. Agora, o setor sente os efeitos colaterais da seca de crédito externo. A Fiagril S.A, com sede em Lucas do Rio Verde (MT), cumpriu todos os contratos de entrega de insumos, mas deixou de antecipar US$ 2 milhões via CPRs aos produtores para o custeio da safra.
"Em alguns casos, tivemos que recuar porque tínhamos previsões de linhas [externas] que não se confirmaram", afirma o vice-presidente da Fiagril, Miguel Vaz Ribeiro. Os planos eram emprestar até US$ 5 milhões nessa modalidade. A empresa antecipou, segundo ele, US$ 140 milhões em insumos nesta safra. Para a safrinha, a Fiagril deve reduzir pela metade os financiamentos. "Os riscos são muito altos", diz Ribeiro. Na safra passada, foram financiados 150 mil hectares via CPR.
A Sperafico Agroindustrial, de Toledo (PR), reconhece que a situação levou a empresa a rejeitar os adiantamentos via CPRs. "Acabamos não adiantando. Fizemos fixação de preços, recebemos o produto, esmagamos, mas ficamos fora porque o mercado estava instável", diz o diretor Dênis Sperafico. "Realmente, o crédito está restrito. As grandes recuaram e as pequenas reduziram tudo o que deu e mais um pouco".
Com forte atuação em Mato Grosso, a paranaense Insol Trading rejeita ter devolvido as CPRs recebidas dos produtores, mas admite ter deixado de atender a pedidos de financiamento "três vezes maiores" em razão dos limites individuais de crédito dos produtores. "Receber e devolver CPR não existe. Aconteceu de o banco [internacional] não ter dinheiro pra repassar. Mas não em CPR encarteirada", diz o diretor institucional Adriano Marcovici.
A empresa financiou R$ 15 milhões em CPRs nesta safra. Diante dos problemas externos, decidiu não financiar nenhuma tonelada via CPR na safrinha. "A crise afetou a expansão do financiamento e não vamos pegar CPR".
O presidente do sindicato rural de Tapurah, no médio norte de Mato Grosso, Marusan Barbosa, afirma, entretanto, que a Insol devolveu CPRs emitidas por um grupo de 23 produtores da região. "Temos os documentos registrados em cartório. Tanto a entrega pelo produtor como a devolução pela Insol", afirmou.
Produtor em Campos de Júlio (MT), o presidente da Aprosoja, Glauber Silveira da Silva, informa haver mais casos de devolução de CPRs por tradings. "Ouvi relatos em várias cidades, sobretudo no norte do Estado. Os produtores deram a garantia, mas não receberam os recursos". A federação estadual da Agricultura (Famato) iniciou levantamento sobre devoluções. "Vamos apurar pra saber onde o problema é maior", diz o presidente Rui Prado.
A situação das pequenas tradings foi agravada pela paralisação das atividades da Agrenco causada por um pedido de recuperação judicial. Nesse caso, os produtores emitiram CPRs, mas não receberam os papéis de volta. Mais grave: a Agrenco repassou as CPRs aos bancos financiadores que, agora, ameaçam arrestar na Justiça a produção futura alegando ter esses papéis como garantia das operações.
"É bem provável que o banco vá executar a garantia do produtor. Mas não temos capital de giro, não temos como comprar fertilizantes e entregar", diz o gerente de Relações com Investidores da Agrenco, Marco Antonio Modesti. "Estamos em recuperação judicial e, com a crise de crédito, tivemos cortadas as linhas de crédito com os bancos. Não temos condições de honrar".
Em 2006, a empresa recebeu CPRs para pagamento em três anos e alega ter quitado as dívidas nas safras 2006/07 e 2007/08 com a entrega de insumos. "Nesta safra, não temos capital de giro, mas cumprimos 10% dos contratos com insumos". Modesti lembra que em 2006 o produtor "recebeu um sinal" em dinheiro ("uns 5% ou 10%") e agora receberia o insumo. Mas a situação se complicou com a crise. "Nosso capital vinha desses bancos. Vamos ter a lista de credores e temos um plano para pagar dentro da capacidade", promete ele.