Um amplo estudo encomendado pela Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA) à Fundação Getúlio Vargas (FGV) reabriu nessa quarta-feira (5) o debate sobre a real contribuição da produção familiar à geração de riqueza e ao abastecimento de alimentos no País.
Em 190 páginas, seis pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre-FGV) questionam resultados do Censo Agropecuário 2006, divulgado pelo IBGE no fim de 2009, e redimensionam o papel do segmento familiar na produção agropecuária com base em microdados do IBGE e critérios estabelecidos pelo Banco Central para a concessão de crédito rural.
A FGV defende haver 3,33 milhões de produtores familiares enquadrados como beneficiários do programa de crédito familiar (Pronaf), que são donos de 64,4% das propriedades rurais do País e geram 23% do valor bruto da produção agropecuária nacional (VBP), estimado em R$ 240 bilhões em 2009.
No censo do IBGE, acusado de “desonesto, equivocado e ideológico” pela CNA, haveria 4,36 milhões de agricultores familiares, donos de 84% dos estabelecimentos e de 38% do VBP. As propriedades não alcançadas pelo Pronaf seriam 1,6 milhão, segundo a FGV – ou 30% do total. E produziriam 76% do VBP, e não os 62% indicados pelo IBGE.
Além disso, a maior parte da produção de alimentos da cesta básica (trigo, arroz, milho e feijão de cor) seria gerada por esse grupo fora do Pronaf, exceção feita ao feijão preto, cuja produção está nas terras de “pronafianos” e assentados da reforma agrária.
Pode parecer trivial, mas esses dados têm influência direta na formulação de políticas públicas e na concessão de benefícios específicos a cada segmento. Daí, a pesquisa servir como alavanca aos ataques ruralistas aos dados do IBGE.
“O IBGE quer dividir o País de maneira política e ideológica ao fixar o tamanho de propriedade, e não a renda gerada, como critério principal para traduzir o setor rural”, acusou ontem a presidente da CNA, senadora Kátia Abreu (DEM-TO). “É uma leitura equivocada, nociva ao País. Divide a agricultura entre pobres e ricos, bons e maus, pequenos e grandes”.
Um mês após divulgar o Censo 2006, e sob muitas críticas internas, o IBGE foi obrigado a rever sua projeção de concentração da propriedade da terra no Brasil.
Questionado – e atacado no estudo -, o IBGE preferiu comentar os dados apenas em uma futura audiência pública convocada pelos senadores da Comissão de Agricultura. Procurado ontem, o instituto não quis se pronunciar sobre o estudo da FGV.
A pesquisa patrocinada pela CNA também levantou discussões sobre orientações e urgência da reforma da política agrícola do governo. A CNA defende uma nova “tipificação” do público-alvo dos programas de crédito rural subsidiados pelo Tesouro Nacional.
Pela proposta, haveria uma renda mínima a ser gerada, ainda não fixada, como pré-requisito para a concessão do crédito oficial. Abaixo dessa referência, a produção não seria estimulada pelo governo. Teria que haver “políticas públicas” de erradicação da pobreza e promoção do bem-estar social. “Isso regularia o mercado, evitaria trabalho ao Estado e pouparia recursos públicos”, disse a senadora.
A pesquisa FGV-CNA aponta que dois terços das propriedades enquadradas nos critérios do Pronaf têm um VBP “tão baixo” que nenhum estímulo à produção seria suficiente para elevar a renda desse grupo de “residentes rurais” e produtores para “auto-consumo”. No Nordeste, haveria 1,3 milhão de proprietários nessa condição econômica.
Diante do diagnóstico, a CNA defende a criação de uma faixa específica para médios e grandes produtores, atualmente atendidos com os mesmos critérios de juros, prazos de carência e pagamento, além de limites de crédito, que dividiria seus riscos em termos percentuais com o Tesouro.
“Não pode ter 100% de risco do Tesouro. Precisamos impor limites à subvenção”, defendeu Kátia Abreu. Aos grandes, argumenta, não interessa financiamento público, mas incentivo ao seguro rural, proteção cambial (“hedge”) e sustentação de preços.