Caberá ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva falar hoje no G-20 em nome da maior coalizão até agora de países em desenvolvimento, conhecida como G-110, para apontar, diplomaticamente, que os Estados Unidos bloqueiam a negociação global de comércio, conhecida como Rodada Doha.
Lula vai mencionar três pontos. Primeiro, que as decisões tomadas pelo G-20 para evitar protecionismo e avançar no acordo de Doha não são respeitadas na prática. Segundo, que quase todos os países em desenvolvimento e desenvolvidos estão preparados para concluir a rodada com base no pacote fechado em julho do ano passado. E, terceiro, que a fatura pelo atraso da negociação é paga pelos países mais pobres, mais vulneráveis às crises e sem condições de se defender dos subsídios e outras distorções no comércio internacional.
Como o encontro é na casa de Barack Obama, Lula não deve citar explicitamente os EUA, mas sim dizer que a maioria dos países quer negociar, “exceto um”. Para o G-110, fica subentendido que são os EUA. Logo que Lula falar, deve receber o apoio da China, Índia e outros emergentes que estarão em Pittsburgh. Numa ação sincronizada, a posição manifestada pelo Brasil será imediatamente distribuída em várias capitais.
O gesto político de, na prática, responsabilizar Washington reflete a crescente impaciência dos parceiros com a inação do governo Obama na área comercial, apesar de ele ter se comprometido em concluir Doha em 2010.
O G-110 reúne praticamente todos os grupos de nações em desenvolvimento representadas na OMC. São na verdade cerca de 90 países, com alguns estando em mais de um grupo. Ele surgiu em Hong Kong, na conferência da OMC em 2005, por articulação do Brasil para cobrar por abertura no comércio agrícola dos países ricos.
Os EUA são acusados de, em vez de negociar, se limitarem a fazer cobranças excessivas para que Brasil, China, Índia e outros emergentes limitem o uso de flexibilidades permitidas para esses países isentarem certos produtos agrícolas e industriais de cortes tarifários.
Washington insiste na demanda de acordos setoriais que ampliaram o tamanho do corte tarifário em mais de uma dezena de setores industriais. O Brasil, um dos países que mais quer concluir Doha, rejeita essa demanda, dizendo que uma possível participação em acordos setoriais não traria benefícios ao país. E cita um estudo do Instituto Peterson, de Washington, estimando que o Brasil, na verdade, acumularia enormes déficits comerciais em produtos químicos, eletrônicos e ambientais. Isso anularia os benefícios da negociação.
Negociadores admitem que os EUA estão parados pois conseguem vender a negociação nem ao Congresso nem ao setor privado do país. Além disso, Obama tem outras prioridades no Congresso.
Mas o que os parceiros querem é que o governo Obama saia de cima do muro e assuma o ônus do bloqueio que, na prática, provoca. Certos negociadores notam que há um limite para a negociação global ficar parada, com o prazo de validade ameaçado pelas reviravoltas na economia internacional.
A posição do G-110 reflete ainda a mudança no foco das cúpulas. Pascal Lamy, diretor-geral da OMC, diz que participou de 14 cúpulas do G-8, que reúne sete países ricos mais a Rússia. Mas as discussões sobre comércio eram pobres. Agora, no G-20, o comércio está no centro da agenda porque é de maior interesse dos novos atores, como Brasil, China, Argentina, Índia.