A guerra cambial entre os Estados Unidos e a China voltou a esquentar, depois que o agravamento da crise europeia provocou a valorização do dólar. A turbulência na zona do euro, com a iminência do calote da Grécia e consequente abalo dos bancos credores, levou investidores do mundo todo a buscar refúgio nos ativos em dólares, apreciados apesar do recente rebaixamento da dívida americana.
Com a inversão de mão no fluxo do capital internacional, o dólar subiu 6% em setembro em relação a uma cesta de moedas.
O salto do dólar praticamente neutralizou o lento movimento de apreciação do yuan que o governo chinês vem promovendo em doses homeopáticas desde junho do ano passado, quando anunciou a retomada da flexibilização do câmbio, interrompida pelo estouro da crise internacional. De junho de 2010 até o fim de agosto deste ano, o yuan subiu quase 7% em relação ao dólar, o que é pouco diante da estimativa de que está defasado em 30%. Como a inflação chinesa está ao redor de 6%, o ajuste real é ainda menor. Em setembro, o yuan caiu 0,1% e, pior do que isso, há sinais de que a flexibilização pode ter parado novamente como resposta à crise europeia.
A estagnação da economia americana causada pelo consumo interno deprimido e pela dificuldade de concorrer com os chineses criou o clima propício para a aprovação pelo Senado americano, nesta semana, de um projeto de lei que permite ao governo retaliar qualquer parceiro comercial que manipular o câmbio. O alvo no momento é a China, responsável por 37% do déficit da balança comercial americana, que atingiu US$ 428 bilhões em julho. Mas qualquer outro país pode ser atingido.
A favor do projeto de lei, Fred Bergsten, diretor do Peterson Institute for International Economics (PIIE), argumenta que a valorização do yuan em relação ao dólar aumentaria as exportações americanas, contribuindo para ampliar o emprego. Ele calcula que, se as exportações crescerem US$ 100 bilhões, serão criados 600 mil novos empregos.
Há seis anos, projetos com teor semelhante não prosperavam no Congresso americano. E há dúvidas se terá sucesso esse, que é de autoria dos senadores democratas Sherrod Brown, de Ohio, e Charles Schumer, de Nova York, e tem mais 19 copatrocinadores, entre os quais os republicanos Lindsey Graham, da Carolina do Sul, e Jeff Sessions, do Alabama. É provável que não passe na Câmara dos Deputados, de maioria republicana, partido a favor do livre comércio.
A Câmara de Comércio Americana e outros 50 grupos empresariais são contra o projeto. Mesmo porque há uma série de gigantes multinacionais americanas instaladas na China, tirando proveito das facilidades chinesas como obrigações trabalhistas frouxas e também o câmbio manipulado, para exportar para o mundo todo, inclusive os Estados Unidos. Comenta-se que até a Casa Branca seria contra.
Apesar disso, a aprovação do projeto pelo Senado causou forte reação contrária do governo chinês. No mesmo dia, manifestaram-se contra o banco central chinês, o Ministério de Relações Exteriores e o Ministério do Comércio. Revelando familiaridade com o jogo de cena e a hipocrisia da diplomacia internacional, a China queixou-se que os EUA estavam violando as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e incentivando uma guerra comercial; e até ameaçou interromper a quase imperceptível flexibilização cambial.
A situação é mais complicada porque as políticas das economias avançadas para debelar a crise internacional também estão afetando o câmbio. Ao implementar as medidas de expansão monetária, esses países influenciam as cotações das moedas. Ontem, por exemplo, a libra caiu depois que a Inglaterra anunciou nova rodada de compra de títulos públicos. O Brasil já sentiu isso na carne: com os juros mais altos do planeta, tem sido alvo de forte entrada de investimentos internacionais, o que alavancou as cotações do real. Em setembro o movimento foi revertido com a preferência pelo dólar e aversão ao risco.
Mas o governo brasileiro também tem saídas tortas para o problema, como o projeto de lei americano. O Brasil quer defender na OMC a criação de um antidumping cambial que permitiria o uso de represálias comerciais contra países que mantêm suas moedas desvalorizadas artificialmente.
Dado o cenário internacional, este é um dos piores momentos para se levantar barreiras protecionistas. São soluções aparentemente fáceis para os países que não querem mergulhar fundo e resolver seus problemas de competitividade.
a cambial entre os Estados Unidos e a China voltou a esquentar, depois que o agravamento da crise europeia provocou a valorização do dólar. A turbulência na zona do euro, com a iminência do calote da Grécia e consequente abalo dos bancos credores, levou investidores do mundo todo a buscar refúgio nos ativos em dólares.