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Avicultura Industrial Entrevista: "O foco é a Ásia", com Julio Ramos, secretário-adjunto de Comércio e Relações Internacionais do MAPA

Avicultura Industrial Entrevista: "O foco é a Ásia", com Julio Ramos, secretário-adjunto de Comércio e Relações Internacionais do MAPA


Na edição n° 1335 de Avicultura Industrial, Julio Ramos, secretário-adjunto de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária, fala sobre os planos do Mapa para expandir ainda mais as exportações brasileiras

Por Camila Santos

O Brasil está se posicionando para aproveitar as oportunidades de mercado na Ásia, um continente estratégico devido ao seu crescimento econômico e demanda crescente por produtos agrícolas. Nesta entrevista, Julio Ramos, secretário-adjunto de Comércio e Relações Internacionais do Ministério da Agricultura e Pecuária, enfatiza o papel crucial das negociações comerciais e parcerias bilaterais na expansão das exportações brasileiras, especialmente em setores como soja, carne bovina e aves.

Além disso, o material aborda as expectativas futuras para as exportações agrícolas brasileiras na região, destacando iniciativas para melhorar a logística e infraestrutura portuária, essenciais para garantir a competitividade no mercado asiático. Ramos também comenta sobre os desafios, incluindo questões sanitárias e regulatórias, que influenciam as negociações comerciais entre o Brasil e os países asiáticos. Confira:

Quais são as principais estratégias que o Brasil está adotando para aumentar a exportação de produtos agrícolas para a China?  

Existe um ambiente favorável nas relações diplomáticas entre o Brasil e a China que tem propiciado a ampliação da cooperação e do comércio agrícola entre os países. Tal ambiente se reflete em visitas de alto nível entre os dois países nos últimos dois anos. Por exemplo, a reunião entre ministros da agricultura aconteceu no contexto da Visita de Estado à China do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva em março de 2023, e a sétima reunião da COSBAN realizada em junho deste ano. Além disso, o Ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, e o secretário de Comércio e Relações Internacionais do Mapa, Roberto Perosa, estiveram na China três vezes durante a atual gestão. O vice-presidente Geraldo Alckmin também visitou a China, demonstrando que as maiores autoridades do Brasil consideram essa parceria uma prioridade, reforçando o respeito e a solidez dos laços bilaterais. Além dos encontros de alto nível político, tivemos também visitas de caráter técnico. Em março deste ano, por exemplo, a China enviou uma missão ao Brasil para avaliações “in loco” do status sanitário dos estados do Rio Grande do Sul e do Paraná como zonas livres de febre aftosa sem vacinação. Os dois países continuam a manter comunicação fluida sobre assuntos agrícolas internacionais no âmbito multilateral, apoiando mecanismos multilaterais e cooperando mutuamente, como é o caso da FAO, do BRICS e do G20. No que diz respeito às exportações, nota-se uma concentração significativa no comércio de produtos agropecuários do Brasil para a China. Entre os dez principais produtos exportados pelo Brasil, que representaram 78,8% da pauta exportadora do setor, a China foi o principal destino de oito produtos. Nesse contexto, o Mapa vem buscando realizar um trabalho de diversificação da pauta, visando a abertura para novos produtos, sem perder de vista a possibilidade de ampliação dos volumes daqueles que o Brasil já exporta. Além disso, temos procurado estreitar parcerias e investimentos chineses no Brasil, impulsionando a produção no campo e promovendo práticas agrícolas mais sustentáveis, alinhadas à conservação ambiental e à mitigação das mudanças climáticas. 

Qual é o potencial de crescimento das exportações brasileiras para o mercado asiático nos próximos anos?  

As perspectivas de crescimento e mesmo de manutenção das exportações de produtos agropecuários para a República Popular da China dependem de uma complexa rede de fatores que permeiam questões geopolíticas, capacidades produtivas/logísticas dos países produtores e, principalmente, das prioridades indicadas pelo governo chinês. Em fevereiro deste ano, a China publicou o “Documento Central n. 1”, que estabelece a segurança alimentar como pilar da estratégia de segurança nacional chinesa. Isso se reflete na busca pelo aumento da produção e da produtividade agrícola, visando maior autossuficiência do país, e pela maior diversificação de parceiros comerciais. A aprovação da nova Lei de Segurança Alimentar da China evidencia a crescente prioridade e o caráter estratégico que o governo central vem conferindo ao tema. De acordo com informações obtidas junto ao Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China (MARA), as importações chinesas de soja em grão devem permanecer estáveis e as importações de milho devem permanecer altas. No caso da carne bovina, existe uma tendência para que o consumo permaneça alto, com consequente aumento das importações chinesas. Já para carne suína, existe uma tendência para que as importações permaneçam baixas, considerando os estoques e a política de recomposição do rebanho chinês após os surtos de Peste Suína Africana. No entanto, estamos otimistas e vamos trabalhar para aumentar nossas exportações, mesmo sabendo que a expectativa pode ficar aquém do esperado. Do mesmo modo, existem expectativas de que as importações chinesas de carne de aves cresçam de forma promissora. 

Com relação ao Japão, o Brasil tem importante participação em alguns produtos no mercado japonês. No caso dos grãos, o Brasil é um importante fornecedor de soja e milho. O ano de 2023 foi especialmente significativo para o Brasil nas exportações de milho ao Japão. Somos o segundo maior fornecedor do produto para o país, atrás apenas dos EUA, e em 2023 houve um crescimento de mais de 300% em volume exportado. Esse aumento retrata um potencial de crescimento que pode ser mantido para os próximos anos. Em relação às proteínas animais, as perspectivas também são positivas. As negociações para a expansão dos estados permitidos para exportação de carne suína e seus produtos podem triplicar as oportunidades de exportação desse tipo de carne ao Japão, ampliando de forma significativa a participação brasileira nesse mercado. Essas negociações contaram com a presença do Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, e dos secretários Roberto Perosa (Comércio e Relações Internacionais) e Carlos Goulart (Defesa Agropecuária), que já estiveram no país participando dessas discussões. Além da questão sanitária brasileira, que é reconhecida por lá e por mais de 200 países, destaca-se também a competitividade dos nossos preços. A ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal) e a ABIEC (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes) puderam apresentar esses números durante as missões, reforçando a nossa posição no mercado japonês. Há perspectiva de avançar nas discussões também para a carne bovina. No caso das frutas, as negociações em curso permitem projetar um cenário de crescimento para o abacate e o melão produzidos no país. Da mesma forma, o açaí, mercado já aberto para o Brasil no Japão, está passando por um reaquecimento do consumo e valorização, aumentando a demanda e a possibilidade de negócios. Além desses produtos do agro brasileiro, espera-se nos próximos anos o estabelecimento de acordos sanitários entre os dois países para fornecimento de matérias-primas, como é o caso de óleos, farinhas, gorduras e hemoderivados, resíduos de processamento das indústrias de proteína animal no país, para produção de produtos elaborados internamente no Japão. 

Recentemente, observamos uma redução nas compras chinesas. Quais fatores você acredita que estão influenciando essa mudança?  

Não se observam fatores que possam claramente justificar eventuais reduções nas compras chinesas de carnes bovina e de aves. Porém, conforme explicitado inicialmente, o governo chinês tem como prioridade a diversificação de parceiros comerciais para evitar a dependência de alguns países, o que pode influenciar a participação relativa de fornecedores no mercado chinês. Mas é importante considerar que o Brasil reconhece a China como um grande parceiro e segue trabalhando para expandir sempre suas divisas. Desde o início da gestão do presidente Lula, já foram 160 novas aberturas de mercados para diversos produtos agrícolas do Brasil no comércio exterior, sendo 82 somente neste ano, alcançando o recorde do ano passado em apenas 7 meses de 2024. 

O presidente da ABPA mencionou que os japoneses elevaram os padrões da avicultura brasileira. Você concorda com essa afirmação? Por quê?  

O mercado japonês é conhecido como um dos mais exigentes do mundo. Os padrões de qualidade necessários para se ter acesso e para manter o mercado conquistado geralmente estão associados à capacidade de pagamento diferenciada que o país tem. Os países fornecedores de alimentos ao Japão compreendem essa realidade e acabam por se adequar às exigências impostas. Isso também se refletiu na indústria produtora de proteína animal de aves no Brasil, que se planejou, se adequou e hoje serve de exemplo para o mundo. O Japão demanda cortes diferenciados com exigências de espessura, teor de gordura e procedimentos de processamento, muitas vezes requerendo instalações diferenciadas e exclusivas para o processamento da produção destinada ao país. Ao mesmo tempo que isso representou uma oportunidade significativa para a indústria da avicultura brasileira, trouxe também um processo de diferenciação e especialização, elevando, sem sombra de dúvidas, os padrões de produção e processamento da carne de aves e seus produtos. 

Como a elevação dos padrões pela influência japonesa afetou as exportações brasileiras para outros mercados asiáticos, incluindo a China?  

O Japão é tido como uma referência nos padrões de qualidade exigidos de seus fornecedores. As feiras da indústria de alimentos, bares, restaurantes e produtos associados que ocorrem no país geralmente contam com a participação de países e empresas que atuam na região, e os produtos apresentados nesses eventos acabam sendo uma espécie de vitrine para a região asiática. Se, por um lado, o conhecimento do potencial da indústria brasileira em fornecer alimentos de qualidade ao mercado japonês constitui um fator que impulsiona os negócios em outros países, por outro lado, eleva a referência para o estabelecimento de padrões mais exigentes. 

Quais são os principais desafios enfrentados pelo Brasil ao tentar expandir sua presença no mercado asiático?  

Conforme mencionado anteriormente, o governo chinês já declarou sua intenção de aumentar a produção interna de alimentos e ampliar a diversificação de seus fornecedores de produtos agropecuários como forma de garantir a segurança alimentar da sua população. É, portanto, imprescindível que o Brasil não só acompanhe esse movimento como também reveja sua relação com o país. A China conhece muito pouco sobre o Brasil, o que se reflete na baixa presença de produtos brasileiros sendo comprados diretamente pelo consumidor chinês. Assim, temos poucas marcas “Brasil”, o que dificulta substancialmente as ações de promoção comercial na China. O Brasil possui uma pauta muito concentrada, com poucos produtos e poucas empresas exportando para a China. Nesse sentido, existe a necessidade de o Brasil reavaliar sua estratégia com a presença física de empresas e associações representativas do setor na China. 

No Japão, essa análise deve ocorrer em pelo menos duas vertentes. Para os mercados já abertos, o Brasil deve estar atento à promoção comercial dos produtos exportados, destacando junto aos consumidores japoneses os aspectos positivos dos produtos brasileiros, tais como a percepção de que são produtos seguros, produzidos com sustentabilidade, qualidade e de forma regular. É o que países concorrentes do Brasil, como Austrália e EUA, fazem para manter a identidade e a preferência de seus produtos pelos consumidores. Ao longo dos anos, criou-se uma percepção da superioridade da carne bovina consumida desses dois países. O mesmo ocorre com os produtos lácteos da Nova Zelândia e os produtos de alto valor agregado provenientes da Europa. Além do aspecto da promoção, outros desafios são a logística de transporte, as barreiras técnicas e a escalada tarifária para produtos processados. 

Além dessas estratégias, é fundamental destacar nossa participação ativa no grupo dos BRICS, que inclui a China. Em nossos últimos encontros, visamos não apenas estreitar laços comerciais, mas também fortalecer parcerias estratégicas em diversos setores agropecuários. No Mapa, sob a liderança do Ministro Carlos Fávaro e do secretário Roberto Perosa, temos trabalhado incansavelmente para ampliar as adidâncias agrícolas em diversos continentes, com especial atenção aos países asiáticos. Este esforço visa não apenas a diversificação de mercados, mas também o fortalecimento da presença e da imagem dos produtos brasileiros em escala global. Com essas iniciativas, buscamos não apenas garantir a segurança alimentar, mas também promover o desenvolvimento sustentável e a competitividade do agronegócio brasileiro. 

Quais são suas expectativas para a relação comercial entre Brasil e China em termos de proteína animal nos próximos 5 a 10 anos?  

O cenário atual mostra-se positivo para o aumento das exportações de carne bovina e de aves, uma vez que há um aumento na expectativa de consumo devido à ascensão da classe média chinesa. Para a carne suína, conforme já citado, o cenário atual não indica expectativa de crescimento nas exportações brasileiras, uma vez que existe um trabalho prioritário do governo chinês para recomposição do rebanho, visando diminuir a dependência das importações e fomentar a produção local, o que está alinhado com a política de revitalização rural da China. 

Poderia comentar sobre a preferência dos consumidores chineses em relação aos cortes de carne? Quais produtos do Brasil são mais procurados na China, e você percebe alguma mudança no consumo em direção à carne branca?  

A China ainda se encontra em processo de ascensão da sua classe média, com a consequente diversificação no consumo de alimentos. No entanto, não se percebe um movimento claro em relação a mudanças de hábito de consumo para carne de aves ou peixes devido à busca por hábitos mais saudáveis ou por questões ligadas à sustentabilidade ambiental, por exemplo. De maneira geral, as carnes brasileiras são exportadas para a indústria chinesa, que fica responsável pelo beneficiamento, seja para fracionar e comercializar com marcas locais, seja para fins de industrialização. Ou seja, as carnes brasileiras não são comercializadas diretamente para o consumidor final, não havendo um trabalho de promoção comercial com marcas brasileiras, conforme já mencionado. Nesse contexto, esse mercado tem sido dominado pelos concorrentes brasileiros, tais como Estados Unidos, Austrália, países europeus, dentre outros. As carnes suína e de aves são populares e massivamente consumidas pelo consumidor chinês, uma vez que são mais baratas que a carne bovina. Nota-se uma predileção dos chineses por alguns miúdos de aves, como pés e cortes com cartilagem. No caso dos suínos, chama a atenção o consumo de alguns miúdos, incluindo o estômago e o fígado. 

Como foi sua trajetória até se tornar secretário-adjunto de Comércio e Relações Internacionais do Mapa? Quais são suas expectativas e planos para sua carreira futura no setor agrícola e nas relações internacionais? 

Olha, comecei muito cedo na gestão pública. Além de ter tido mandato eletivo, tive a oportunidade de trabalhar em grandes estruturas no Governo do Estado de São Paulo, com grandes orçamentos e equipes, incluindo a gestão da merenda da maior rede escolar da América Latina. Meu contato com a agricultura, além de questões familiares e por vir de uma cidade estritamente agrícola (seja na cafeicultura ou do setor sucroenergético), se intensificou ao gerir a merenda de São Paulo. Isso me proporcionou uma relação quase diária com o tema. Durante esse período, consegui fazer com que São Paulo voltasse a comprar da agricultura familiar, investir nela e envolver os alunos no processo decisório dos cardápios, junto com os nutricionistas. Diversificamos e priorizamos as produções locais, como a compra de toda a produção de banana do Vale do Ribeira. Garantimos proteína todos os dias na mesa das crianças, o que é crucial, pois para 60% dos alunos, a única refeição é na escola. Isso me impactou muito e me fez acreditar na importância da agricultura para garantir o acesso a alimentos saudáveis e de qualidade, independente da classe social. Depois disso, trabalhei no setor privado, especificamente na agroindústria, na Tereos, em uma multinacional francesa, na área de relações institucionais. Pude conhecer de perto a evolução da agricultura sustentável e participar de projetos de preservação ambiental, fortalecendo a cadeia produtiva. Também fui secretário-geral da Assembleia Legislativa, onde interagi com muitos deputados do setor agrícola e com a frente do Agro paulista. Participei do Conselho Superior do Agronegócio da Fiesp desde minha época na iniciativa privada. Fui convidado pelo secretário Roberto Perosa para assumir como secretário-adjunto, trabalhando ao seu lado e sob a liderança do ministro Carlos Fávaro para consolidar a agricultura brasileira no mundo. Os resultados estão aí, e acredito que estamos fazendo um belo trabalho. Além da questão administrativa, o cargo envolve ainda negociações internacionais e participação em organismos como a OMC, G20 e o BRICS. Hoje, me sinto em casa e é um grande orgulho representar a agricultura brasileira globalmente, um símbolo de resistência e transformação com muita ciência, pesquisa e tecnologia. A agricultura tem um impacto social enorme, gerando renda e emprego. Representa 49% da balança comercial brasileira. Em 2023, com a volta do presidente Lula, o Brasil voltou a dialogar com o mundo e em seis meses deste ano realizamos mais de 15 missões internacionais. Nossa produção alimenta o Brasil e muitos outros países, quase 1 bilhão de pessoas. Acredito muito nessa agricultura transformadora, que impacta vidas, e o Brasil tem feito um excelente trabalho em combater a insegurança alimentar, promover a transição energética e enfrentar mudanças climáticas. Estou muito feliz com essa experiência única de trabalhar no governo federal, ao lado do ministro Fávaro e do secretário Perosa, e de voltar a trabalhar com o vice-presidente Geraldo Alckmin, com quem comecei minha trajetória. Essa vivência com o setor público e privado mostra que ambos podem caminhar juntos para um Brasil melhor. Temos a chance de mostrar ao mundo que a sustentabilidade é inegociável para o Brasil, e que estamos preparados para garantir a qualidade e segurança dos nossos produtos. Estou motivado e acredito que 2024 será um ano de consolidação da agricultura brasileira no cenário internacional, com perspectivas de continuar abrindo mercados, batendo recordes e gerando mais empregos e renda para melhorar a vida das pessoas.