A desvalorização do real em relação ao dólar nas últimas semanas, resultando em cotação da moeda americana próxima a R$ 1,70, está propiciando aos exportadores uma melhora na margem de lucro com a liquidação de embarques que foram contratados a um dólar mais baixo, em torno de R$ 1,60 a R$ 1,65. Caso se mantenha por mais 60 ou 90 dias, o nível de R$ 1,70 poderá começar a propiciar alteração de preços nos produtos exportados.
A nova cotação não tem afetado ainda o que está prestes a ser embarcado porque as entregas de produtos que estão sendo realizadas agora foram negociadas desde o começo do ano. “Não há um reflexo imediato, mas os negócios que estamos fechando agora estão sendo beneficiados”, diz Norberto Fabris, diretor do grupo de veículos e implementos da Randon, do setor de transportes. “Estou recebendo o dólar de agora referente a entregas que foram contratadas no começo do ano. Com isso, tenho um ganho sobre essa margem, mas não adianta correr com o ritmo de produção para negócios que já foram fechados.”
O planejamento da Randon para este ano foi feito contando com o dólar a R$ 1,60, segundo Fabris, por isso a alta da moeda é melhor para o negócio: “Quanto maior o tempo que a moeda ficar nesse patamar, melhor para as exportações, mas o dólar na casa de R$ 1,70 ainda não nos assegura competitividade, principalmente em disputas que estamos tendo com a China no continente africano.” De acordo com ele, é preciso uma estabilidade de pelo menos 60 dias para que os produtos possam ser orçados nesse novo nível do dólar. O grupo de veículos e implementos da Randon exporta em torno de US$ 120 milhões anuais, o que representa 15% do faturamento.
Micheline Twigger, diretora de exportação da calçadista Piccadilly, também acredita que é preciso esperar mais para que o efeito do dólar tenha impacto nos preços negociados. Micheline acredita que apenas a nova coleção, que será lançada em novembro, poderá ser negociada com a moeda mais alta que o R$ 1,60 trabalhado pela empresa nos contratos de 2011.
A diretora conta que a fabricante de calçados aproveitou o novo nível do dólar para fechar contratos de câmbio: “Às vezes a empresa segura dinheiro no caixa esperando o melhor momento para fechar esses contratos”, afirma Twigger.
Fabris conta que a Randon também aproveitou para liquidar novos contratos de câmbio: “Sempre temos um ‘colchão’ de dólar para receber.” Desde terça-feira, a calçadista West Coast recorreu ao mercado financeiro para tentar aproveitar a alta do dólar: “Fizemos algumas travas cambiais para tentar aproveitar essa alta”, diz Eduardo Schefer, diretor de operações da empresa. A West Coast fatura anualmente US$ 220 milhões, dos quais 30% são originados com vendas ao exterior.
Micheline, porém, diz que a vantagem atual com o fechamento de câmbio é relativa. “Essa melhora do dólar, no nosso caso, ajudou para diminuir o prejuízo que acumulamos de quando a moeda estava abaixo de R$ 1,60.”
Valquirio Cabral Junior, diretor-comercial da fabricante de meias Lupo, tem análise semelhante. “Antes desse movimento de alta fechamos câmbio de liquidação de exportação com dólar a R$ 1,55, quando o contrato havia sido assinado com preços de dólar mais baixo, estimado entre R$ 1,60 e R$ 1,65”, conta.
Cabral Junior lembra, porém, que a valorização do real em relação ao dólar também acabou reduzindo a pressão de custos de produção e de investimentos. Os fios de náilon, importante insumo da fabricante de meias, por exemplo, são importados de Israel. A companhia também importou máquinas para ampliação de capacidade produtiva. Um dólar mais barato também propiciou à Lupo inovação no mix oferecido pela empresa. Cabral Junior diz que desde o ano passado a empresa passou a importar meias italianas rendadas para venda no mercado doméstico. A empresa exporta hoje o equivalente a 5% de seu faturamento e seu destino de vendas fora do país é principalmente a América do Sul.
O executivo da Lupo acredita que o dólar sustentará a cotação de R$ 1,70. A mudança de preços nos produtos exportados, porém, é algo que começou a ser estudado e que pode ser efetivado somente se o nível se mantiver pelo menos até o fim deste ano.
Embora reconheçam que um dólar a R$ 1,70 melhore a vantagem competitiva de seus produtos, os executivos são unânimes em dizer que alta é pequena em relação à cotação considerada ideal para os exportadores.
“O dólar tem que subir a pelo menos R$ 1,80 para voltarmos a falar de exportação forte. Em oito anos, nossos produtos dobraram de preço no mercado externo”, diz Micheline. “O dólar a R$ 1,70 ajuda a melhorar a margem agora, mas ainda há, na verdade, prejuízo nas vendas ao exterior. As exportações muitas vezes são mantidas somente para manter o mercado externo”, diz Marlin Kohlrausch, presidente da Bibi Calçados, que hoje exporta 15% da sua produção. Para ele, seria necessário que o dólar fosse a R$ 2,20 para restabelecer a competitividade dos calçados brasileiros no exterior.
“Ainda há uma certa incerteza em relação à estabilização da cotação do dólar”, diz Welber Barral, sócio da M Jorge Consultores. Para ele, a moeda americana ainda terá que sustentar o preço atual para que haja repercussão nos novos contratos de exportação.
José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), lembra, porém, que a questão da competitividade dos produtos brasileiros não deve ser relacionada somente ao câmbio. Há, diz, problemas estruturais que na verdade tiveram seus efeitos intensificados pelo câmbio.
Ele lembra que os aumentos reais que estão sendo concedidos nos últimos anos têm aumentado os custos trabalhistas, o que desfavorece principalmente indústrias brasileiras de segmentos com mão de obra intensiva.