Produzir insetos para consumo humano pode ser um bom negócio? A FAO acredita que sim. O respeitado braço para Agricultura e Alimentação das Nações Unidas colocou esses animais em sua agenda como uma fonte de proteína alternativa para o consumo humano. Em dois anos, o órgão se reunirá para discutir o tema e, até lá, espera apresentar ao mundo as possibilidades “promissoras” desse novo mercado, tanto em termos comerciais quanto nutritivos.
Por trás da iniciativa está um fato e uma preocupação. Segundo especialistas, dois terços das terras agricultáveis do planeta são hoje ocupadas por rebanhos de bovinos, suínos e caprinos. Mas a população mundial cresce – seremos mais de 9 bilhões em 2050 -, assim como cresce o consumo de carnes, à medida que as sociedades ganham poder aquisitivo e adquirem novos hábitos alimentares, caso dos asiáticos. Conclusão: em 30 ou 40 anos não haverá mais carnes com a abundância que se vê nos dias atuais.
“Há 20 anos, o consumo médio de carne [de bovino, suíno e caprino] era de 20 quilos. Hoje é de 50. Em 20 anos chegará a 80 quilos por pessoa. Não há espaço físico para a expansão da pecuária. A carne passará a ser um produto de luxo. Só quem tiver muito dinheiro conseguirá comprar”, afirmou ao Valor Arnold van Huis, entomologista da Universidade de Wageningen, na Holanda, e autor de um estudo da FAO que defende as vantagens do consumo humano de insetos.
Esses pequenos animais entraram no foco dos cientistas devido ao montante expressivo de proteínas que carregam. Na opinião de Van Huis, eles são absolutamente comparáveis à carne em termos proteicos – e até melhor. “A barreira ainda é cultural”.
Estranhados na Europa, os insetos são ingeridos há séculos em várias regiões do planeta. Seus representantes fazem parte da culinária típica de muitas culturas, e a maior parte deles vive nas florestas e é coletada manualmente. Um inventário das Nações Unidas mostra que cerca de 1.700 espécies de insetos são comidos da Tailândia ao México, passando pelo Brasil. Por isso, os pesquisadores da FAO dizem que é somente uma questão de tempo e costume até que eles cheguem definitivamente às mesas.
Para evitar a rejeição do consumidor, o Ministério da Agricultura holandês disponibilizou € 1 milhão para que um grupo de 70 pesquisadores de Wageningen, liderados por Van Huis, transformem insetos em uma forma mais palatável de alimentação humana. Eles terão quatro anos para produzir um plano científico e de negócios para o insumo ser aceito globalmente. A ideia central é conseguir extrair a proteína desses animais para a sua futura industrialização – um pó, por exemplo, que poderia ser acrescentado a produtos processados.
Além do aspecto nutricional, os insetos têm uma enorme vantagem em relação à velha (e boa) carne: não contribuem para o aquecimento global. A FAO estima que a produção de carnes gere cerca de um quinto das emissões globais de efeito-estufa. O gado bovino, assim como outros animais ruminantes, emite o metano (CH4), um gás 23 vezes mais prejudicial ao ambiente que o seu par mais famoso, o dióxido de carbono (CO2).
Em 2008, Rajendra Pachauri, o chairman do IPCC, o maior painel de climatologistas do mundo, e vencedor do Nobel da Paz, chegou a sugerir que a humanidade deixasse de comer carne pelo menos uma vez por semana, e depois a retirasse completamente de sua dieta alimentar, como forma de ajudar o ambiente.
Uma revisão da própria FAO veio em seguida: não é preciso virar vegetariano, basta adotar uma nova dieta. Com insetos.
As pesquisas de Van Huis e sua equipe mostram que a criação de insetos produz muito menos gases nocivos ao ambiente. Segundo eles, espécies mais comuns, como gafanhotos e grilos, emitem dez vezes menos metano que os rebanhos bovinos, caprinos e suínos. Os insetos, dizem eles, também produzem 300 vezes menos óxido nitroso (N2 O), outro gás potente de efeito-estufa, e menos amônia, gerados nas fazendas de suínos e aves.
Os insetos, segundo esses especialistas, também consomem menos matéria-prima. Bois necessitam de cerca de dez quilos de alimento (capim e ração) para produzir um quilo de carne. Já os insetos necessitam de apenas 1,5 quilo de alimento para a conversão em um quilo de proteína.
Com tantos atributos, os insetos podem afinal ser um negócio? “Se 1% ou 2% deles fossem adotados na dieta humana, sim, seria um grande negócio”, afirma o entomologista Van Huis.