Os investidores de Wall Street estavam intrigados com a excessiva preocupação dos colegas brasileiros com o suposto superaquecimento da economia e suas eventuais repercussões na inflação. Os nacionais, de outro lado, achavam que os estrangeiros estavam subestimando os riscos e, por isso, poderiam quebrar a cara com a alta de juros que viria pela frente.
Esse foi o panorama colhido no primeiro trimestre por um importante membro do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, depois de se reunir com representantes de instituições financeiras em Nova York. O receio desse membro do Copom, na época, era que o pessimismo local pudesse contaminar os investidores estrangeiros. “O que os brasileiros sabem que nós não sabemos?”, era a pergunta mais ouvida.
O pior aconteceu. No segundo trimestre, os investidores estrangeiros acabaram embarcando na teoria de que a economia estava superaquecida – e que o BC tinha demorado para subir os juros.
Agora, temos uma nova reviravolta. Estatísticas divulgadas nas últimas semanas sugerem que a economia está crescendo menos do que o esperado, o que, em tese, reduz muito os riscos inflacionários. Ou seja, no princípio os estrangeiros estavam certos, mas acabaram mudando para o lado errado, onde estavam os brasileiros.
Nacionais e estrangeiros passaram, então, a apostar num BC menos conservador, com grande possibilidade de um corte de juros menor do que o 0,75 ponto percentual na reunião do Copom que termina hoje.
O Bank of America Merrill Lynch, que desde o princípio do ano se manteve fiel à tese de que os receios inflacionários eram exagerados, divulgou um relatório que faz um diagnóstico interessante do breve surto de supercrescimento da nossa economia e de suas consequências inflacionárias. “Brasil, o fim de uma exuberância artificial”, dos economistas Virgilio Castro Cunha e David Beker, conta a história de um País que crescia a ritmo chinês apenas enquanto empurrado pela expansão dos gastos do governo.
O Brasil, segundo essa leitura, apresentou um forte surto de crescimento, algo bem diferente de entrar numa trajetória de superaquecimento. Políticas monetárias e fiscais de estímulo, como o corte de impostos para a compra de carros e a liberação de depósitos compulsórios para injetar liquidez nos pequenos bancos, puxaram a atividade econômica para cima. Hoje, essas medidas já foram desmontadas, deixando de sustentar a economia, que tende a crescer em um ritmo menos intenso.
A projeção do banco é que o crescimento da economia, que no primeiro trimestre atingiu uma taxa anualizada de 11,4%, irá se desacelerar para 1,7% anuais no segundo trimestre.
O relatório, é bom frisar, não defende a tese de que não havia risco inflacionário. O que os economistas dizem é que o mercado financeiro pintou um dragão inflacionário mais feio do que ele realmente era. Havia pressões sobre salários e preços de serviços, que mereciam atenção, mas as preocupações acabaram exageradas pela alta temporária dos preços dos alimentos. O BC tinha que agir, mas não com a força prevista pelos contratos de juros futuros negociados no mercado financeiro.
“Onde está o superaquecimento?”, questionam os economistas do Bank of America, em seu relatório. O índice de utilização da capacidade instalada da indústria, afirmam, está ainda abaixo dos níveis observados antes da crise econômica.
“O BC ficou atrás da curva?”, perguntam os economistas, em outro trecho do relatório, referindo-se a uma suposta demora da autoridade monetária em iniciar o aperto monetário. Aparentemente, não. O ciclo de alta dos juros básicos começou num momento em que a economia estava apenas um pouco acima de sua capacidade.
Os cálculos do Bank of America são de que a economia estava rodando 1% acima de sua capacidade em maio, quando o BC começou a subir os juros. No aperto monetário anterior, de 2008, a autoridade monetária subiu os juros quando a economia estava 3% acima da capacidade, de acordo com um indicador de uso de capacidade da economia tecnicamente conhecido como hiato do produto.
O Bank of America continua a apostar em uma alta de 0,75 ponto hoje, para 11% ao ano, embora ache que o mais prudente seja apenas 0,5 ponto, devido aos riscos para a atividade econômica. Mas o ciclo de alta acabaria em setembro, quando a taxa chegar a 11,25% ao ano.
É um juro bastante alto, mas, de qualquer forma, menor do que o mercado vinha esperando. Isso deve representar incentivos um pouco menores para a entrada de investidores estrangeiros em renda fixa no País, que vinham provocando a valorização da taxa de câmbio.
Algumas instituições financeiras, como o Citibank, apostam que as perspectivas de crescimento econômico menos exuberantes vão alterar a tendência da taxa de câmbio. Agora, as apostas são de desvalorização do real ante o dólar, em vez de valorização.
A retirada dos estímulos artificiais, que foram importantes no período de crise, tende a contribuir para um crescimento mais sustentado da economia, com menos pressão inflacionária e sem fortes desequilíbrios nas contas externas.