Redação (14/07/2008)- Depois que investiram mais de meio bilhão de dólares nos últimos três anos na aquisição de frigoríficos argentinos, os grupos brasileiros de carne bovina estão reorganizando os negócios no país vizinho. As duas grandes empresas do segmento instaladas na Argentina, JBS-Friboi e Marfrig, estão investindo no aumento da capacidade de fabricação de produtos de maior valor agregado visando o mercado externo – termoprocessados, no caso da JBS, e hambúrgueres e salsichas, no do Marfrig.
Em uma tentativa de aumentar a oferta de carne e estancar a subida de preços, o governo argentino limitou ainda mais as exportações do produto. Além das cotas de 40 mil toneladas por mês vigentes desde 2007, em maio as autoridades editaram um decreto obrigando os frigoríficos a comprovar a existência de mercadoria suficiente para destinar a maior parte (75%) da capacidade de estoque ao mercado interno. A exportação está limitada ao que exceder este percentual.
A restrição às exportações atinge todos os frigoríficos, não só os estrangeiros, mas tem um significado especial para os grupos brasileiros, que viam a operação argentina como ponta de lança para o mercado internacional. A carne argentina carrega a imagem de ter qualidade superior à brasileira e sofre menos restrições nos mercados europeus e japonês. Além disso, a Argentina tem direito a embarcar 28 mil toneladas anuais pelo sistema conhecido como Cota Hilton, enquanto o Brasil tem apenas 5 mil toneladas. A carne vendida pela Cota Hilton custa cerca de US$ 21 mil a tonelada.
Embora o mercado interno seja importante – os argentinos são o povo que mais come carne no mundo, 70 quilos por habitante/ano -, há um rígido controle de preços para 13 cortes mais populares e as exportações são uma forma de compensar a baixa rentabilidade das vendas domésticas. O primeiro semestre não foi fácil para os frigoríficos. Além dos bloqueios às vendas externas, eles foram atingidos pela paralisação dos agricultores e pecuaristas dos país, que durou 101 dias, em protesto contra um aumento de impostos sobre as exportações de grãos.
Neste período, as estradas foram interrompidas em todo país por ruralistas em protesto e a produção agropecuária praticamente parou. Como conseqüência da paralisação, a Quickfood, principal empresa do grupo Marfrig, perdeu 15% em abate. Em produtos elaborados, embalados e com marca (hambúrgueres, salsichas etc), neste mesmo período as vendas foram 16% superiores ao mesmo período do ano passado, reduzindo quase à metade o ritmo anterior de crescimento, de 20% a 30% anuais.
A JBS já havia anunciado em maio prejuízo de R$ 6,6 milhões no primeiro trimestre, atribuído em boa parte às restrições sobre as exportações de sua filial JBS Swift Argentina. Além de não exportar, com o conflito do campo o JBS Swift Argentina ficou 21 dias parado em março, relata Nelson Dalcanale, diretor da filial. Neste período, diz Dalcanale, "ficamos sem matar um único boi, porque não chegava boi".
"A solução para atender à crescente demanda dos mercados interno e externo é aumentar a produção", afirmou Miguel Gorelik, diretor de assuntos públicos do Quickfood, maior empresa do grupo Marfrig na Argentina. O frigorífico Marfrig programou para os próximos meses um investimento de US$ 20 milhões em projetos para expandir capacidade de produção, eficiência e desenvolvimento de novos produtos. Do total, US$ 5 milhões serão destinados à elevação de produção de hambúrgueres em 50%, para 3,75 mil toneladas ou 50 milhões de hambúrgueres por mês.
O Marfrig já investiu US$ 240 milhões em aquisições na Argentina desde que chegou, em 2006, quando já estavam em vigor as restrições impostas pelo governo às exportações. De lá para cá, o percentual de exportações sobre sua produção total baixou de 33% para 17%, mas o faturamento das vendas externas se manteve em 45% do total graças à forte alta de preços da carne no mercado externo.
A Quickfood, comprada pelo Marfrig em 2007, responde por metade do faturamento total de US$ 700 milhões aproximadamente. Nos demais frigoríficos comprados pelo grupo nos últimos 18 meses (AB&P, Estancias del Sur, Best Beef e Mirab) as vendas ao exterior variam entre 48% e 52% da produção, exceto o Mirab que fabrica unicamente "jerky beef" para a exportação, já que não há mercado interno para este tipo de carne na Argentina.
Com o conflito aparentemente perto do fim, o JBS Swift espera recuperar as perdas do primeiro semestre com a venda de carnes termoprocessadas, que representam hoje 40% de sua produção no país. A Swift destinava 80% da produção ao mercado externo em 2005, quando a JBS adquiriu seu controle. Hoje com a razão social JBS Swift Argentina, a empresa já mudou a relação para 60%-40%, e até o fim do ano chegará a 50%-50%, garante Nelson Dalcanale. O grupo está investindo US$ 32 milhões este ano para ampliar a produção.