Redação (22/10/2008)- Apesar de acreditarem que o consumo de alimentos não será afetado de forma significativa pela crise financeira internacional – e de garantirem que até agora a demanda não caiu -, empresas brasileiras de carnes que participam do Salão Internacional de Alimentação (Sial), em Paris, admitem rever os investimentos que fariam para crescer nos próximos anos.
O Minerva, com foco em carne bovina, é um dos que estão se adequando à nova realidade. "Estamos reduzindo o Capex [””capital expenditure””, ou o capital utilizado para adquirir ou incrementar os bens físicos de uma companhia] de 2009. O principal objetivo é proteger o caixa", diz Fernando Galletti de Queiroz, presidente da empresa. Segundo ele, o plano para 2009 previa a construção e possíveis aquisições de fábricas, mas no novo cenário a empresa está mais cautelosa. "Continuamos olhando [possíveis aquisições], mas mais na linha de diversificação geográfica, não de ampliação do que já temos", afirma.
Para Queiroz, no quadro de falta de liquidez no mercado, o arrendamento de unidades de abate pode ser uma opção em 2009. Joesley Batista, presidente da JBS, a maior empresa de carne bovina do mundo, concorda que o arrendamento é uma alternativa. Mas não descarta ir às compras em 2009 – no Brasil, se houver oportunidades. Antes da crise financeira, ele já apostava que haveria maior oferta de ativos ligados à pecuária no país no próximo ano em decorrência da escassez doméstica de bovinos para abate.
Batista afirma que a JBS, que fez aquisições importantes fora do Brasil nos últimos anos (ver matéria nesta página), não tinha previsão de construir unidades no ano que vem, e assim deve continuar.
A Perdigão, outra que investiu bastante em aquisições recentemente, também mostra cautela. Segundo Nildemar Secches, presidente da empresa, o momento é de finalizar a integração das operações com a Eleva, forte em lácteos, comprada em outubro de 2007. No segmento de bovinos, a companhia fará o que chama de "parada técnica". E também não mostra disposição de sair fazendo novas aquisições apenas por conta da queda dos preços dos ativos. "A pior coisa para comprar numa liquidação é o que você não precisa", compara José Antônio Fay, que no próximo dia 28 substitui Secches na presidência da Perdigão.
O executivo vai assumir o cargo num momento mais difícil do mercado, mas não se queixa. "Quem trabalha em bens de consumo tem de estar preparado para incertezas", diz ele, que já passou por Electrolux, Bunge e Batávia. As dificuldades no mercado são um desafio a mais para o novo presidente. A partir de 29 de outubro, Fay passará a ser cobrado pelo conselho de administração, presidido por Secches, para manter o forte ritmo de crescimento da última década, que levou a receita da Perdigão subir de 13% a 14% ao ano.
O Bertin, também com foco principal em bovinos, ainda não definiu seu plano de investimentos para os próximos cinco anos, mas a discussão em torno dele já é contagiado pela crise financeira. João Nogueira Batista, CEO da empresa, afirma que a maior parte dos aportes de R$ 1,8 bilhão previstos para 2008 (incluída a compra da Vigor, do ramo de lácteos), já está aplicada. Um dos investimentos em curso é a construção de uma unidade em Diamantino (MT), que deve começar a operar em 2009. Se os valores dos ativos recuarem, o Bertin também não descarta aquisições.
"Se houver oportunidades, por que não?", indaga. Para Batista, o consumo de alimentos sofre menos num ambiente de recessão, mas caso a crise se aprofunde pode ocorrer a substituição de produtos mais caros por itens mais baratos. Gilberto Tomazoni, presidente da Sadia, concorda que pode haver o efeito "substituição do consumo" (ver mais matéria abaixo).
"Ninguém vai parar de comer", concorda Marcos Molina, presidente do Marfrig. O empresário acredita que o consumidor pode optar por produtos mais baratos ou deixar de comer no restaurante para fazê-lo em casa por conta da crise. "Nas crises, o que menos sofre é o setor de alimentos", reforça Fernando Queiroz, do Minerva. Segundo o executivo, a demanda até agora não caiu no Brasil e em países de Oriente Médio, Leste Europeu e Extremo Oriente.
Secches, da Perdigão, também está otimista quanto ao consumo. Em sua opinião, o que acontece hoje na Europa – onde a demanda dá sinais de arrefecimento – é apenas a continuidade de uma recessão que já existia no continente. "Cerca de 10% do que a Europa consome é importada do Brasil. Isso não tem força para pressionar [a demanda]", diz.
Para Mauro Pilz, presidente do frigorífico Mercosul, uma eventual recessão – com aperto no crédito – pode até elevar a demanda por bens de consumo. "Numa recessão, o consumidor pode optar por não trocar o automóvel, por exemplo".