Com um setor agrícola incapaz de atender a demanda por alimentos em seu país, as tradings japonesas têm ampliado investimentos para elevar a produção em outras fronteiras nos últimos anos. E essa estratégia privilegia o Brasil, onde grandes empresas do segmento sediadas no país asiático já têm participação direta em negócios que envolvem pelo menos 250 mil hectares de grãos, fibras e café e em mais de 400 mil hectares de cana.
O mais recente deles, anunciado em outubro, foi a entrada da Sojitz nos capitais da Cantagalo General Grains e de sua subsidiária CGC Trading, empresas de agronegócio controladas pela Coteminas. A companhia japonesa passou a deter 43% do capital da CGG Trading e 5% da Cantagalo, após subscrever aumentos de capitais promovidos por essas empresas por valores não revelados. Em comunicado, a empresa presidida pelo executivo Yoji Sato, informou que, com os aportes, seu objetivo é ampliar exportações de produtos alimentícios ao mercado asiático. A Sojitz também planeja investir no terminal portuário de Itaqui, no Maranhão, onde já tem silos e terras.
Com as participações na Cantagalo e na CGC, a companhia japonesa passou a ter participação direta em 150 mil hectares de terras agricultáveis e na comercialização de mais de 2 milhões de toneladas de commodities por ano. E sua entrada no negócio tende a alavancar esses números: até 2020, o plano é alcançar uma área agricultável de 200 mil hectares e movimentar 6 milhões de toneladas de grãos e fibras por ano.
A Sojitz começou a fincar raízes no agronegócio brasileiro em 2007, quando entrou no capital da Companhia Brasileira de Energia Renovável (Brenco), que conduzia um ambicioso projeto de produção de etanol no Cerrado. O projeto não deu certo e a Brenco foi incorporada pela ETH Bioenergia, recentemente rebatizada como Odebrecht Agroindustrial. A Sojitz tinha 33% da Brenco, e no braço do grupo Odebrecht, que controla 400 mil hectares de canaviais, ficou com 12,23% via Sojitz Co. e 0,83% por meio da Sojitz Brasil.
Em termos de área plantada e participação acionária em empresas com terras, a liderança entre as japonesas no Brasil continua com a Mitsui. A companhia detém hoje 100% do capital da brasileira Multigrain, pela qual pagou US$ 508 milhões desde 2007, quando fez o primeiro aporte. A tacada fez da Mitsui proprietária da Agrícola Xingu, subsidiária da Multigrain com três fazendas situadas nos Estados da Bahia, Minas Gerais e Maranhão. Juntas, essas propriedades têm 116 mil hectares, 70 mil cultivados com soja, milho e algodão.
A gigante japonesa, que atua nos setores de mineração, energia e infraestrutura e fatura globalmente US$ 53,1 bilhões, entrou na Multigrain com a fatia de 45,1% que pertencia ao empresário Paulo Moreira Garcez – que em seguida criou a Cantagalo, onde a Sojitz atualmente tem participação. Foi em 2011 que a Mitsui comprou a totalidade das ações da Multigrain, que ainda era dividida com sócios brasileiros e com cooperativa americana CHS.
Mas, ao assumir 100% da empresa, a Mitsui enfrentou o inconveniente de perder sócios com expertise em agricultura. Para sanar essa lacuna, a japonesa procurou algumas companhias brasileiras com experiência nessa área para parcerias. Obteve êxito com a SLC Agrícola, com a qual firmou uma joint venture. Em um acordo com duração de 99 anos, inicialmente as duas empresas vão compartilhar os resultados do plantio de 22 mil hectares na fazenda da companhia japonesa localizada em São Desidério, na Bahia.
Na operação de trading de commodities, a Multigrain, que registrou receita líquida de R$ 1,54 bilhão em 2012, também segue avançando nos mercados de soja, algodão, trigo, açúcar, outro importante foco de interesse da Mitsui. Além do Brasil, a múlti japonesa já atua em produção e venda de alimentos em Estados Unidos, Canadá, Austrália, Tailândia e Malásia, todos exportadores importantes de produtores agropecuários.
Das grandes empresas do país asiático que atuam no Brasil, a Mitsubishi foi a última a colocar o pé na terra – ainda que, como trading, a relação seja bem mais antiga. Em 2012, a companhia comprou uma participação de 20% na Los Grobo Ceagro do Brasil, o que lhe confere vantagens na aquisição dos grãos produzidos pela empresa. Em 2013, a Mitsubishi elevou a participação na Ceagro para 80% ao comprar as ações que eram da holding argentina Los Grobo, do argentino Gustavo Grobocopatel. Essa transação foi estimada em US$ 500 milhões.
Com a Ceagro, a Mitsubishi garantiu o controle de uma área plantada de 70 mil hectares. Em recente entrevista ao Valor, o brasileiro Paulo Fachin, fundador e CEO da Ceagro e sócio da japonesa na empresa, afirmou que tem planos para expandir o cultivo para 150 mil hectares até o fim desta década. Isso para garantir que pelo menos 20% da originação de grãos venha de produção própria. A aquisição do controle da Ceagro se insere no plano da Mitsubishi de dobrar o volume global de comercialização de grãos – de 10 milhões para 20 milhões de toneladas – até o fim da década, segundo Fachin. E a múlti quer que a Ceagro responda por até 25% dessa demanda.
Para isso, a Ceagro terá que ao menos quadruplicar seu volume atual em sete anos. O plano, diz Fachin, é crescer por meio de novas parcerias com proprietários de terras que precisam de um operador agrícola com o perfil da Ceagro. “Por conta de restrição de compra de terras por estrangeiros, nosso projeto não contempla aquisição de fazendas”. Em 2013, a empresa deve originar 1 milhão de toneladas de grãos – 200 mil de produção própria e 800 mil de terceiros. A produção própria vem de cerca de 70 mil hectares cultivados com soja e milho em seis Estados (Goiás, Bahia, Piauí, Maranhão, Tocantins e Minas Gerais).
Em café, a Mitsubishi tem também uma participação forte no Brasil. Por meio de sua subsidiária MC Coffee do Brasil (MCCB), a companhia compra café de produtores e industrializa para exportação. Em março de 2012, a Mitsubishi adquiriu 20% de participação na Ipanema Agrícola SA e na Ipanema Comercial, que controla a Ipanema Plantation, um das maiores produtoras de café do mundo com uma área de 5,5 mil hectares no sul de Minas Gerais.
Além do Brasil, outra fronteira que tem merecido especial atenção da Mitsubishi é a China, onde já é acionista nos negócios de carne da gigante estatal Cofco Limited e tem um acordo de exportação de 5 milhões de toneladas de soja por ano.
Os movimentos recentes e atuais podem ser considerados a “terceira grande onda” de entrada de japoneses na agricultura brasileira. A primeira, no início dos anos de 1900, ajudou a consolidar a cultura cafeeira no país e, num momento seguinte, foi fundamental na introdução de cultivos, como os de hortaliças, arroz, frutas e peixes. Na década de 70, houve outra investida, capitaneada pelo próprio governo do Japão. Para a abertura do Cerrado brasileiro foi criado o Programa Nipo-brasileiro de Desenvolvimento dos Cerrados (Prodecer), e em duas décadas os governos de Brasil e Japão injetaram US$ 573 milhões para abrir mais de 300 mil hectares de áreas agricultáveis em sete Estados
A mudança para uma estratégia basicamente “corporativa” veio na virada do milênio, quando as gigantes japonesas das áreas de mineração, infraestrutura e tecnologia passaram a se posicionar no Brasil para além de operações de trading de commodities. E os sinais indicam que a tendência deverá perdurar, ainda que, procuradas pelo Valor, as tradings japonesas não tenham concedido entrevista sobre os investimentos recentes ou planos futuros.