Antes de terminar o mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende fazer um apelo aos governos para que não partam para saídas descoordenadas em resposta à crise na economia mundial. O risco de “guerra cambial”, apontado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, será um dos alvos do presidente, que, segundo um de seus auxiliares, vai alertar para os perigos de uma “concorrência deletéria” entre os países para proteger suas próprias economias, em prejuízo das outras.
O discurso de Lula, que também será de despedida e balanço de sua atuação no Brasil e na política externa, será realizado durante a reunião do G-20, o grupo de países maís influentes na economia mundial, a se realizar entre 11 e 12 de novembro, em Seul, na Coreia do Sul. Em 2008, durante a eclosão da crise financeira. o G-20 se firmou como coordenador da ação internacional ao organizar uma resposta, incluindo mais recursos ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e um compromisso de evitar ações protecionistas no comércio. Embora tenha havido medidas protecionistas, não aconteceu, como se temia, o fechamento generalizado de fronteiras às importações.
Lula quer pedir a retomada do espírito de cooperação que orientou o G-20, no auge da crise. É uma preocupação geral, mas, até agora, com a diminuição do medo de um colapso econômico global, vieram, na maioria, respostas isoladas e individuais dos países às ameaças contra cada economia. Uma das poucas medidas coordenadas foi o chamado acordo de Basileia 3, que determinou novas medidas de precaução para garantir a saúde dos bancos, entre elas exigências de maiores reservas por parte das instituições financeiras internacionais.
Só no fim desta semana, porém, na reunião anual do FMI e o Banco Mundial, será possível antecipar o tom que os governantes adotarão na reunião de cúpula do G-20 na Coreia. Os ministros de Economia e Finanças reunidos em Washington devem ter um encontro para discutir a pauta a ser levada aos chefes de Estado, em novembro. Os representantes brasileiros devem levar à reunião a preocupação de Mantega com a “guerra cambial”, para defender uma ação “coordenada e conjunta” contra o desequilíbrio das moedas – evitando, assim, que os países, o Brasil entre eles, sejam obrigados a políticas unilaterais para se defender.
O debate, no G-20, assim como na reunião desta semana, tem três pontos principais: a questão macroeconômica, com o risco de volta da recessão e de anarquia cambial; a questão da supervisão e regulação do sistema financeiro, origem da crise; e a reforma das instituições multilaterais, como o FMI e Banco Mundial, para corresponder à atual realidade global, com maior peso de países emergentes, como China. O Brasil tem posições firmes em cada um desses pontos, em alguns casos aliado a parceiros poderosos, como os Estados Unidos, em outros, na oposição aos interesses de países desenvolvidos.
Os governos brasileiro e americano são, por exemplo, favoráveis a esperar antes de aplicar uma política de contração de gastos fiscais, que pode trazer de volta a retração dos mercados e reverter a recuperação mundial. Embora o Brasil tenha retirado seus próprios estímulos à economia, como a redução de impostos para bens de consumo, o governo avalia que países com menores perspectivas de crescimento devem ser cautelosos para evitar um aperto fiscal prematuro.
Um dos maiores temores da equipe econômica brasileira, porém, é a tendência de países com mercado interno enfraquecido, alto desemprego e baixo nível de atividade – caso dos EUA – em buscar soluções por meio do estímulo à exportação. Para fomentar vendas externas, esses países têm adotado políticas de apoio direto à exportação ou, indiretamente, aplicado políticas monetárias frouxas (juros baixos, liberação de depósitos bancários), que levam à desvalorização das moedas locais. É esse o terreno que, como alertou Mantega, pode impelir os países a uma “guerra cambial” sem vencedores, capaz de desestabilizar a recuperação das economias em crise.