As empresas brasileiras de navegação e segmentos do governo, incluindo a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e o Ministério dos Transportes, estão engajados em um movimento para fortalecer a cabotagem, o transporte marítimo de cargas entre os portos do País. A atividade vem crescendo rápido – só nos contêineres expandiu-se 350% em volume nos últimos cinco anos. Mas a participação do modal na matriz de transporte do Brasil é de apenas 1%, segundo o Plano Nacional de Logística de Transportes (PNLT), elaborado pelos ministérios dos Transportes e Defesa.
A baixa participação relativa da cabotagem deve-se, em parte, ao fato de que os estímulos previstos em lei para fortalecer o setor até hoje não vingaram. O resultado é que, mesmo sendo um meio de transporte menos poluente e mais seguro do que o caminhão em longas distâncias, o custo para operar um navio de bandeira brasileira é quase o dobro se comparado ao de uma embarcação estrangeira. A comparação indica que falta competitividade à navegação de cabotagem no Brasil, que é protegida por reserva de mercado, assim como em diversos países com tradição marítima.
Trabalho feito pela V. Ships Brasil mostra que o custo de operação de um navio de contêineres nacional com capacidade de 2 mil TEUs (contêiner equivalente a 20 pés) é de US$ 9.025 por dia, 80% mais caro do que embarcação semelhante de outra bandeira. A empresa fez cálculo igual para graneleiro de 50 mil toneladas de porte bruto e constatou que o custo do navio de bandeira brasileira é de US$ 8.308 por dia, também 80% acima do custo da mesma embarcação de outra bandeira.
Eduardo da Cunha Bastos, diretor da V. Ships para a América do Sul e responsável pelo trabalho, disse que dois terços dos custos referem-se a pessoal (salário, logística de empregados, exames médicos, alimentação, entre outros itens). Há cálculos que indicam que os encargos sociais representam algo como 140% do salário de um marítimo. Bastos afirmou que os benefícios previstos pelo Regime Especial Brasileiro (REB), que buscava fazer com que o custo do navio nacional se aproximasse do estrangeiro, nunca se tornaram realidade. “Nada aconteceu”, disse.
O REB foi instituído pela lei 9.432, de 1997, que dispõe sobre a ordenação do transporte aquaviário. O regime foi uma tentativa de estimular o registro de embarcações brasileiras operadas por empresas de navegação nacionais. “É preciso melhorar a competitividade da bandeira brasileira, o que passa por ter um REB eficaz”, disse Hugo Figueiredo, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma). Ele defende o fortalecimento da cabotagem como forma de corrigir o desequilíbrio da matriz de transporte do Brasil, muito baseada no transporte rodoviário.
A Antaq está trabalhando em propostas para reativar o REB e pretende encaminhá-las à área econômica do governo e aos órgãos responsáveis pela articulação da política no setor (Ministério dos Transportes, Tribunal Marítimo e Marinha do Brasil). Este mês foi realizado um seminário sobre o tema em Brasília que vai dar origem a uma série de sugestões. Murillo Barbosa, diretor da Antaq, disse que o Brasil pode analisar a aplicação de vantagens adotadas em países da União Europeia, como Dinamarca e Espanha. Esses países dão auxílios para registros especiais ou segundos registros de navios, como esses sistemas são conhecidos pela indústria mercante.
Um desses benefícios é a aplicação de um imposto único pago pelo o armador sobre o volume movimentado. Na Dinamarca, há isenção de impostos sobre os salários dos marítimos. Já o registro especial espanhol das Ilhas Canárias (REC) permite uma dedução de 50% na base de cálculo do imposto de renda dos tripulantes. São medidas que tornam a marinha mercante mais competitiva e que o Brasil poderia adotar, dizem armadores.
Outra proposta da Antaq para melhorar a competitividade da marinha mercante brasileira é equiparar os custos do combustível usado na cabotagem aos da navegação de longo curso. O combustível dos navios (bunker) que operam na cabotagem é mais caro porque pagam ICMS, imposto do qual as embarcações do longo curso estão isentas. O bunker também é mais caro que o óleo diesel. “Há dados que mostram que o custo do combustível na cabotagem é 37% mais caro que o diesel do caminhão”, disse Barbosa.
Mauro Dias, presidente da Log-In, disse que quando uma empresa constrói um navio no Brasil tem direito a isenção fiscal de impostos na importação de equipamentos. Mas quando importa peças e componentes para manutenção paga imposto de importação. “Entendo que seria razoável isentar o imposto de importação nesses casos.” O transporte de cargas em contêineres na cabotagem, segmento no qual a Log-In atua, viu os volumes dispararem nos últimos anos. Em 1999, o setor transportava 20 mil TEUs (contêiner equivalente a 20 pés). No ano passado, o volume atingiu 630 mil TEUs. Dias disse que um dos obstáculos para o setor é o alto custo de movimentação dos portos.