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Comércio internacional

Indústria pode ceder em acordo com a UE

<p>Brasil admite concessões maiores que parceiros do Mercosul, dependendo da oferta agrícola.</p>

O setor industrial brasileiro está disposto a fazer concessões maiores e mais rápidas do que os parceiros do Mercosul para fechar um acordo de livre comércio do bloco com a União Europeia (UE) em 2010, dependendo da contrapartida europeia na área agrícola. A posição diferenciada do Brasil foi revelada ontem (03/11) pelo diretor de negociações internacionais da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Mário Marconini, podendo impulsionar o resultado da reunião do Mercosul e da UE, de hoje a sexta-feira em Lisboa.

O encontro na capital portuguesa, que coloca fim a cinco anos de bloqueio na negociação birregional, é para examinar se há condições de se fechar um “acordo possível” no ano que vem, possivelmente na presidência da Espanha na UE no primeiro semestre.

Para o representante da indústria, “essa nova tentativa de fechar acordo vai ter que levar em conta concessões diferenciadas”. Um período de redução de alíquotas mais palatável para a Argentina, na defensiva, é considerado essencial por outros setores da economia. Um compromisso de tarifa menor no Brasil não implicaria necessariamente desvio de mercadorias para a Argentina, até por causa de salvaguardas impostas por Buenos Aires.

Marconini entende que a UE não exige mais negociar só com o Mercosul como uma união aduaneira, como no passado, e pode aceitar concessões diferenciadas dos países do bloco, como já acenou na negociação com o Pacto Andino.

Contrariando visões de que o setor industrial se refugia na defensiva, Marconini considera que “o Brasil está disposto a considerar melhorar as ofertas, inclusive de forma individual, fazer mais e outros (do Mercosul) fazerem menos, numa geometria variável”, tanto na área industrial como em serviços.

Marconini exemplificou com a discussão da abertura no setor automotivo. Na última oferta à UE, o Brasil tinha recuado e retardado o prazo de liberalização para 18 anos, até por pressão da Argentina. “Mas o setor evoluiu, há clima mais positivo para fechar acordo, ser mais ambicioso, com cota maior (para carros europeus), dependendo da contrapartida europeia.”.

“O empresariado brasileiro não quer implodir o Mercosul, nem negociar separadamente, mas negociar em ritmo diferente é a evidência”, disse Marconini. “Não quer é ter de esperar ou receber autorização para fechar acordos e continuar sua internacionalização.”

Para ele, a necessidade de oferta diferenciada se torna mais patente também com a entrada da Venezuela, que resiste a negociações de livre comércio. O representante da indústria considera boa uma opção que vem sendo amadurecida pelo governo, revelada ontem pelo Valor, pela qual o Mercosul negociaria em bloco 70% de um acordo comercial, ficando de 20% a 30% das concessões a serem feitas individualmente pelos seus membros.

“Eu estaria menos preocupado com o nível de compromisso do Brasil do que com o europeu”, acrescentou. “Dá para fazer coisas até melhor do que em 2004 ou 2006.” Mas nota que, na época, 70% das ofertas da UE na área industrial cobriam produtos que já tinham tarifa zero para o mundo inteiro, enquanto do lado brasileiro haveria corte em 95% das alíquotas.

Se depender da BusinessEurope, a Fiesp do lado europeu, o interesse é forte, ainda mais pelo interesse dos setores automotivo, têxtil e químico, além de telecomunicações e financeiro na área de serviços. “Estamos contentes com o novo esforço para tentar retomar a negociação, e esperamos indicações de futuras ofertas”, disse Eoin O’Malley, assessor da entidade.

Já a central sindical Copa-Cogeca nem quis comentar a reunião de Lisboa. “Não esperamos grande coisa, e em todo caso é a próxima Comissão Europeia que vai cuidar disso”, afirmou uma porta-voz.

Entre certos negociadores, há um sentimento de prudente otimismo, porque partiu da UE a iniciativa de tentar retomar a negociação e rapidamente, por orientação do presidente da Comissão, José Manoel Barroso. Quando a negociação foi suspensa, há cinco anos, a maior pendência na área industrial envolvia a indústria automotiva. O Mercosul acabou recuando em certo momento e sem o setor reduziu a cobertura do acordo de 90% para 74% do comércio, pelos cálculos europeus.

Na área agrícola, a pendência eram as cotas (limite quantitativo à entrada de produtos brasileiros). Brasília perguntou ao setor se dava para suportar os mesmos pedidos que fizera em 2006. O setor agrícola pede, porém, mais concessões do que no passado, alegando que a situação do mercado mudou.

Na época, a UE ofereceu cota de 100 mil toneladas para carne bovina, com tarifa menor, enquanto o Mercosul queria o triplo. Para carne de aves, a cota oferecida tinha sido de 75 mil toneladas e o bloco queria 250 mil toneladas. Para carne suína, os europeus ofereceram 11 mil toneladas e o bloco queria o dobro. Para milho, a cota era de 700 mil toneladas por ano, quando o Mercosul pedia 3,5 milhões de toneladas. Para arroz, a diferença era de 40 mil para pedido de 150 mil toneladas.

Praticamente só havia acordo na cota para o etanol, de 1 milhão de toneladas por ano de exportação para os 27 países-membros da UE. Só que hoje o Brasil já tem quase 30% de fatia de mercado europeu e exporta cerca de 2 milhões de toneladas mesmo pagando € 0,19 por litro. Ou seja, a cota precisa ser maior.

Quanto à carne de frango, a UE oferecia eliminar as tarifas gradualmente para o produto salgado e o processado. Atualmente, diante da ofensiva brasileira, os europeus tentam, mesmo sem acordo, estabelecer cota (limite), abandonando a promessa de eliminar as tarifas no acordo birregional.

Para certos analistas de Mercosul, o mais complicado para um acordo birregional pode ser mesmo o ambiente deteriorado atualmente entre o Brasil e a Argentina, em meio ao confronto sobre licenças não automáticas de importações.