A inflação ao consumidor vai subir quase 6% neste ano, mais uma vez acima do centro do alvo perseguido pelo Banco Central, de 4,5%, puxada em grande parte pela forte alta dos preços de alimentos e bebidas. Em 12 anos do regime de metas, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) só ficou quatro vezes no centro ou abaixo do alvo – em 2000, 2006, 2007 e 2009. Em outras cinco oportunidades (1999, 2004, 2005, 2008 e 2010), a inflação superou o centro da meta, mas ficou abaixo do teto do intervalo de tolerância. Já entre 2001 e 2003 até mesmo o teto foi ultrapassado.
Se até 2005 os preços administrados (como tarifas de energia elétrica e telefonia) eram as principais fontes de pressão sobre a inflação, os alimentos exercem hoje essa função, um papel que ganhou mais força a partir de 2007. Com o aquecimento do mercado de trabalho, os serviços (como aluguel, conserto de automóveis, condomínio e empregado doméstico) também têm jogado as cotações para cima.
Neste ano, os analistas estimam uma alta de 10% do grupo alimentos e bebidas, impulsionada pela forte elevação dos preços de produtos como carne, feijão e açúcar. Com peso de 22,9% no IPCA, um aumento dessa magnitude faz estragos consideráveis na inflação. Márcio Nakane, da Tendências, vê uma pressão estrutural sobre as cotações de alimentos que vêm da alta das commodities no mercado internacional, um processo que ganhou musculatura a partir de 2007, foi interrompido pela crise global de 2008/2009, mas voltou a ocorrer neste ano.
Em 2007, os alimentos e bebidas tiveram alta de 10,8% no IPCA, e o indicador só ficou em 4,5%- exatamente o centro da meta – em grande parte por causa do comportamento benigno dos preços administrados, que subiram apenas 1,7%. Em 2008, os alimentos avançaram mais 11,1%, colaborando de modo decisivo para a variação de 5,9% do IPCA.
“Houve um fenômeno global de expansão de consumo de alimentos a partir de 2007, o que, combinado com especulação nos mercados futuros, provocou um forte aumento dos preços de commodities”, diz o pesquisador Paulo Picchetti, da FGV. Segundo ele, esse movimento se repete hoje. A demanda global por alimentos é forte e, com juros baixos nos países desenvolvidos, movimentos especulativos dão mais gás aos preços de commodities, num cenário de estoques baixos.
Nos últimos cinco anos, os preços de alimentos contribuíram para uma inflação mais tranquila em duas oportunidades. Em 2006, houve um choque positivo que fez o grupo aumentar apenas 1,2%, o que foi crucial para a alta de 3,1% do IPCA – a menor da história do regime de metas. No ano passado, como reflexo da crise global, os alimentos e bebidas no IPCA avançaram bem menos – 3,2% -, resultado fundamental para que a inflação ficasse em 4,3% – ligeiramente abaixo do centro da meta.
Para 2011, os analistas acreditam que os alimentos continuarão a empurrar os preços para cima, dadas as expectativas de crescimento ainda forte na China. O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, por exemplo, projeta alta de 8,9% para o grupo alimentos e bebidas no IPCA no ano que vem, número próximo aos 9,9% esperados para 2010, por ver commodities ainda pressionadas.
Os preços administrados, por sua vez, passaram a dar um refresco para a inflação especialmente a partir de 2006. Nos sete anos anos anteriores, o grupo era o grande vilão do IPCA. Com peso de quase 30% no indicador, teve alta superior a dois dígitos entre 1999 e 2004, avançando 9% em 2005.
O economista Fábio Ramos, da Quest Investimentos, observa que o peso dos Índices Gerais de Preços (IGPs) é hoje bem menor para explicar a variação dos preços administrados, um fenômeno importante para o comportamento mais benigno desse grupo. Tarifas de energia elétrica e telefonia fixa, por exemplo, não seguem mais automaticamente a variação passada dos IGPs, levando em conta fatores como ganhos de produtividade e a estrutura de custos do setor.
Os preços de serviços, por sua vez, têm se tornado uma fonte de pressão considerável para a inflação. O grupo responde por cerca de 24% do IPCA, subindo com mais força num ambiente de mercado de trabalho aquecido, como lembra Ramos. “Os serviços são um grande indicador de pressão de demanda”, diz Nakane, para quem, justamente por isso, essas cotações devem ser um guia importante para o BC definir os juros. Além do aquecimento da economia, alguns serviços são influenciados pelo reajuste do salário mínimo, como empregado doméstico, e pela inflação passada, como aluguel, que tem o IGP-M como principal referência.
Para Vale, o comportamento dos serviços é um sinal claro de que a alta da inflação não se limita aos alimentos. Ele projeta aumento para serviços de 7,5% neste ano e de 6,3% em 2011, um nível ainda salgado. Não é com os alimentos, mas sim com o restante dos preços – que devem explicar 60% da alta do IPCA neste ano – que o BC deve se preocupar, diz ele, que aposta num IPCA de 5,8% neste ano. Os analistas ouvidos pelo BC preveem um número um pouco superior a esse, de 5,85%. Na semana anterior, apostavam em 5,78%. Para 2011, as expectativas para o IPCA ficaram quase estáveis, passando de 5,2% para 5,21%.