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Agroindústrias

JBS e Cremonini: Novo capítulo

Companhia dividida entre os grupos do Brasil e da Itália denuncia fraude na rastreabilidade de gado.

A briga entre a brasileira JBS e a italiana Cremonini envolvendo a Inalca, empresa em que cada uma dos grupos detém 50% e tem atuação na Europa, Ásia e África, ganhou mais um capítulo. O conselho de administração da Inalca, presidido pelo brasileiro Marco Bicchieri, identificou irregularidades na rastreabilidade em lotes de animais abatidos pela empresa e também em alguns registros de comercialização de produtos. Diante disso, a própria Inalca encaminhou o caso para investigação do Ministério Público italiano.

A denúncia se baseou em cópias de documentos internos da Inalca obtidos, segundo Bicchieri, a partir de uma correspondência anônima. Os documentos indicam que animais nascidos e engordados na França eram abatidos na Itália e tinham seus registros alterados como se a origem fosse italiana. Além da fraude no sistema de rastreabilidade da carne, os documentos apontavam que um mesmo corte era comercializado duas vezes, com osso e em partes desossadas.

“Os documentos foram entregues em um envelope em meu nome, no hotel em que eu estava hospedado, no dia 29 de julho. Após analisar os dados, que eram referentes a operações realizadas em maio deste ano, e consultar advogados na Itália, apresentei a denúncia no dia 3 de agosto”, afirma Bicchieri. Segundo ele, a demora em tornar o fato público decorreu da dificuldade colocada pelos representantes italianos em realizar uma assembleia com o conselho de administração da empresa, realizado apenas ontem.

Em nota, a Inalca confirmou que foram identificados acessos não autorizados ao sistema de informação da empresa e que o caso está sendo investigado. Os primeiros levantamentos indicam que as informações foram acessadas por funcionários brasileiros da companhia italiana.

A Cremonini, por sua vez, informou que está disposta a dar informações adicionais sobre seu sistema de rastreabilidade às autoridades competentes. Os italianos consideram que Bicchieri não exerce nenhum cargo na Inalca, já que eles questionam sua posição. Para a Cremonini, o fato de Bicchieri não ter cidadania italiana não permite que o executivo assuma o cargo de presidente do conselho.

Na visão de Bicchieri, a avaliação está equivocada, uma vez que seu cargo não é executivo. “Consultamos dois juristas brasileiros e um italiano e todos concordam que os membros do conselho não precisam da cidadania. Com isso, a ação que destituiu os membros brasileiros do conselho não é válida”, diz Bicchieri.

A suspeita de fraude e a denúncia na Justiça italiana ocorrem num momento em que a JBS questiona os resultados apresentados pela Inalca JBS no primeiro semestre. Os números, que estão sendo auditados pela Ernst & Young a pedido da brasileira, definirão se a JBS terá de pagar um ajuste de preço à sócia este ano e se a Cremonini poderá exercer a opção de vender seus 50% na sociedade, conforme acertado no início do negócio.

A JBS comprou 50% do capital da Inalca em dezembro de 2007 por € 225 milhões. No contrato, foi acertado um ajuste de preço (“earn out”) de € 65 milhões em favor da Cremonini se o lucro operacional (lajida) da Inalca JBS exceder € 90 milhões em 2010. Além disso, a Cremonini poderia exercer o direito de vender seus 50% se o lajida somar € 65 milhões este ano. O valor estimado da Inalca JBS nesse caso é cinco vezes o lucro operacional menos a dívida. Para um lajida superior a € 90 milhões, o valor é de 10 vezes o lucro operacional menos a dívida.

Em recente entrevista, o presidente da JBS, Joesley Batista, disse que o sócio italiano estaria “tentando a qualquer preço atingir esse valor”.

Segundo Jeremiah O’Callaghan, diretor de relações com investidores da JBS, a companhia “não está questionando o ‘earn out’ ou o ‘put’ [opção de venda], mas a forma como o resultado está sendo obtido”. O que a JBS quer, afirma, é “transparência sobre esses números”. Alegando não poder “verificar a autenticidade” dos números da Inalca JBS, a JBS excluiu os dados da operação de seu balanço do segundo trimestre deste ano. “É preciso haver uma participação ativa na confecção desses números. É isso que se espera de um sócio que tem uma participação de 50% na empresa”, afirmou ele.

Um dos números que a JBS questiona é o lucro operacional para o semestre apresentado pela Inalca JBS. A Inalca teria informado um lajida de € 48 milhões, o dobro dos € 24,4 milhões do primeiro semestre do ano passado. Por conta da briga, tanto JBS quanto Cremonini já aventaram a possibilidade de se desfazer de seus 50% na sociedade. “Queremos resolver a pendência e pedimos transparência. Porém, em não havendo uma solução não podemos descartar a possibilidade de uma dissolução da sociedade”, afirmou O’Callaghan.

A briga dos dois grupos se acirrou a partir de julho passado, quando a empresa brasileira recorreu à Câmara de Comércio Internacional em Paris solicitando a arbitragem de questões de governança na Inalca JBS. No mesmo mês a brasileira já havia entrado na Justiça italiana com uma medida cautelar contra o sócio alegando o não cumprimento de cláusulas contratuais pela Cremonini e pedindo o acesso a informações relevantes e às instalações da Inalca JBS por parte dos membros do conselho indicados pela JBS. Pediu ainda o cumprimento da cláusula que lhe permite nomear o diretor financeiro da Inalca JBS.

A Cremonini questionou a medida e acusou a JBS de agiotagem e difamação, em agosto, depois que a brasileira informou às instituições financeiras credoras que não mais garantiria novos empréstimos da Inalca JBS por não considerar confiáveis os números da empresa. A JBS, no entanto, se dispôs a financiar ela mesma a necessidade de recursos ou buscar uma capitalização no mercado.

Ainda que só tenham vindo à tona há pouco tempo, as disputas entre os sócios começaram já no primeiro ano da parceria. Um dos pontos do embate é a nomeação do diretor financeiro pela JBS. De acordo com a empresa brasileira, no início do acordo ficou acertado que o Cremonini indicaria o administrador delegado – o cargo é ocupado por Paolo Boni. A diretoria financeira seria da JBS. Até agora, no entanto, a Cremonini tem resistido em aceitar os executivos financeiros indicados pela JBS.

Três deles já foram afastados pelo executivo Paolo Boni. Segundo a JBS, o diretor financeiro Adrian da Hora foi afastado porque determinou que os fornecedores da Inalca JBS deveriam ser pagos em dia. Ricardo Meira da Silva, que o substituiu, foi suspenso e aguarda visto de trabalho. O italiano Vito Macchia, nomeado como interino, foi demitido por ter demitido um gerente de contabilidade e um administrador da área contábil.

Enquanto para a JBS o problema é falta de transparência e governança, a Cremonini alega que o sócio brasileiro teria desrespeitado a cláusula de não concorrência e exclusividade na Europa, África e Rússia, acertada no início da parceria. Um exemplo é a compra da Bertin pela JBS, há um ano, que teria gerado um conflito de interesses, pois a Bertin já era sócia da também italiana Rigamonti, concorrente da Inalca.

A Cremonini também considera a aquisição da belga Toledo pela JBS outro exemplo de conflito de interesses. A JBS rebate as acusações e afirma que desde a incorporação da Bertin, a Cremonini foi notificada sobre o seu exercício do direito de preferência relativo às operações da Rigamonti na Itália e escritórios de vendas na Angola e na Rússia. Segundo a JBS, o sócio italiano também foi notificado sobre a possibilidade de exercer a opção de adquirir 50% da Toledo, mas em nenhum dos casos se manifestou.