O Brasil conseguiu, nos últimos anos, projeção e influência inéditas na política internacional, mas precisa, agora, saber exatamente o que fazer com ela, como trazer uma contribuição real para enfrentar os problemas que desafiam os grandes atores mundiais. A opinião é de um pesquisador influente em Washington, Bruce Jentleson, professor de políticas públicas e ciência política da Universidade Duke. Em visita recente ao Brasil, Jentleson expressou o que pensam muitos diplomatas estrangeiros, em Brasília e outras capitais pelo mundo. Ainda não está claro o que o governo brasileiro pretende fazer com o evidente prestígio que ganhou lá fora com sua política externa.
Também os Estados Unidos ganharam projeção internacional antes de elaborar uma agenda coerente de atuação na arena global, comenta Jentleson, que já assessorou o ex-vice-presidente e ex-candidato à presidência Al Gore. O comentário de Jentleson é apenas um entre muitos no mesmo tom escutados em Brasília nas últimas semanas.
O sucessor de Luiz Inácio Lula da Silva receberá como herança o desafio de apresentar uma política coerente para os salões internacionais que o Brasil passou a frequentar. Há áreas onde isso está claro, como o debate para reforma do sistema financeiro internacional. Em outras, o Brasil se apresenta como um ator de boas intenções, mas sem propostas claras, como na discussão sobre a paz no Oriente Médio.
A atuação da diplomacia brasileira no caso do Irã é, evidentemente, um dos motivos da insegurança, no exterior, em relação ao futuro papel que o Brasil terá nas questões mundiais. Estados Unidos e Europa pressionam para conter o programa nuclear iraniano, que desperta temores na Rússia e é tratado com ambiguidade pela China. Há convicção entre os países ricos ocidentais que o governo iraniano ganha tempo para adquirir a tecnologia da bomba, mas o governo brasileiro insiste ser possível convencer o Irã a aceitar maior fiscalização.
Compreende-se no exterior o interesse do Brasil em marcar sua posição independente no cenário internacional. Mas, a menos que essa posição traga novas soluções para os problemas existentes, as atuais dúvidas sobre a política externa podem dar lugar a críticas abertas.
Será necessário ao governo, também, administrar a força que o Brasil ganhou no continente sul-americano, não só por sua diplomacia (também por ela), como pelo êxito econômico, com a consolidação de forte mercado consumidor interno e a estabilização na economia. É preciso mostrar à própria sociedade brasileira os sucessos obtidos em temas controversos, cuja interpretação pelas forças políticas internas distorce avaliações, para uso partidário ou eleitoral.
Caso exemplar é a Bolívia, onde uma sociedade dividida e a incompetência das forças políticas tradicionais elegeram em 2005 um sindicalista de origem indígena, apoiado por grupos radicais. Presidente fraco, de base política movediça, Evo Morales legitimou-se executando com pirotecnia a decisão de renegociar contratos de exploração de gás, votada em plebiscito meses antes: nacionalizou as reservas e mandou tropas a refinarias controladas pela Petrobras.
O governo brasileiro reagiu em duas frentes: publicamente fez afagos exagerados em Morales e reconheceu seu direito à soberania sobre recursos naturais bolivianos, evitando protestar contra a injustificável invasão militar à Petrobras. Nos contatos diretos com o governo boliviano, os brasileiros reclamaram, exigiram (e conseguiram) indenização ao preço de mercado pelas refinarias e congelaram investimentos. Evitou-se um temido corte no fornecimento de gás a São Paulo, excessivamente dependente do gás boliviano.
Hoje, com níveis recordes de popularidade e maior força política, Morales apela ao Brasil para ampliar comércio e investimentos. O Brasil investiu em fontes alternativas de gás, reduziu a dependência. Promoveu-se, sem atritos nem provocações, a transferência negociada de brasileiros que moravam em áreas proibidas da fronteira boliviana.
A oposição a Morales abandonou planos de secessão ou golpe e conquista pouco a pouco maior solidez política, consolidada nas últimas eleições – que deram novamente maioria ao governo local. Arroubos nacionalistas, como o que levou à nacionalização das empresas elétricas, são moderados em relação ao Brasil.
Também com Equador, Venezuela ou Argentina, a “paciência estratégica” do Itamaraty obtém resultados, tímidos, embora as idiossincrasias dos governos locais tornem difícil uma atuação mais articulada. Há limites, e o governo brasileiro nem sempre ajuda a entendê-los. Não há razão plausível, por exemplo, para tornar o projeto da Unasul refém da política interna argentina, e nomear para dirigi-la, como tem defendido o Brasil, o ex-presidente argentino Néstor Kirchner, notoriamente avesso a questões multilaterais e às delicadas negociações de política externa regional.