A suinocultura brasileira teve no mercado doméstico a sua principal base de sustentação em 2010. Ao longo do ano, o brasileiro aumentou seu consumo de carne suína em quase 1 kg per capita. Este crescimento fez com que a Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs) projetasse em 14,8 kg o consumo do produto por pessoa no País este ano. Indicando, no entanto, um potencial de consumo estimado em 15 kg, caso houvesse maior disponibilidade interna da carne suína. O número representa um avanço significativo.
Por um longo período, o consumo per capita permaneceu estagnado, aumentando apenas em consonância com o crescimento vegetativo da população. Agora, o aumento é real. Para se ter uma ideia da atual força do mercado interno, basta se atentar aos volumes exportados de carne suína, 10% abaixo de 2009.
Foi mais vantajoso à indústria colocar aqui o seu produto do que direcioná-lo ao mercado internacional. Este movimento é resultado da demanda interna aquecida, gerada pela melhoria de renda da população brasileira, atrelada a um real supervalorizado em relação ao dólar, o que desestimula os embarques.
O elevado preço da carne bovina foi outro relevante fator neste contexto. O abate de fêmeas reprodutivas em anos anteriores contribuiu para a redução do rebanho bovino. Da mesma forma, a longa estiagem de 2009 restringiu a oferta de boi gordo, fazendo com que a arroba ultrapassasse a barreira dos R$ 100. O maior preço da carne bovina nas gôndolas dos supermercados assustou os seus tradicionais consumidores, que migraram principalmente para os produtos suínos in natura e processados.
Esta crescente demanda interna refletiu diretamente no campo. O preço do suíno vivo atingiu o melhor patamar dos últimos dois anos. Em tradicionais Estados de produção independente, como São Paulo e Minas Gerais, a média do quilo vivo se aproximou dos R$ 3,60 neste final de ano. Nas integrações no Sul do País, o preço médio pago ao suinocultor foi de R$ 2,60, mais bonificação por tipificação de carcaça.
“Não acredito que o preço vá ficar melhor do que isto, mas o que se pode dizer hoje é que ninguém está perdendo dinheiro”, afirma Rubens Valentini, conselheiro de Relações de Mercado da Associação Brasileira dos Criadores de Suínos (ABCS).
As baixas cotações dos insumos, principalmente o milho, também contribuíram para um cenário positivo do setor. Durante praticamente todo o ano o preço do cereal esteve deprimido, o que também levou ao desestímulo do agricultor, que reduziu sua opção de plantio de milho na safra 2010/2011.
Com isto, as cotações voltaram a subir neste final de ano, o que começa a pressionar os custos. Os impactos para o suinocultor serão sentidos nos animais comercializados no primeiro semestre de 2011, os quais serão terminados com ração mais cara. Atrelado a isto, tradicionalmente no primeiro trimestre a comercialização de suínos é sempre menor.
A vantagem é que desta vez não há praticamente estoques de passagem de carne suína, graças a demanda que se manteve aquecida no mercado interno este ano.
Expansão retraída – A crise financeira internacional que estourou no fim de 2008 seguiu refletindo ao longo de 2009, afetando tanto os volumes comercializados quanto os preços de commodities e outros tipos de produtos no mercado internacional.
A crise travou os investimentos em todos os setores e, na suinocultura, empresas e produtores não expandiram seus plantéis, mantendo apenas programas de reposição de matrizes, sem novos alojamentos. Isto fez com que houvesse um ajuste na oferta de animais.
Com o aquecimento do mercado brasileiro em 2010, esta menor oferta atrelada a forte demanda trouxe de volta a rentabilidade ao setor. Mesmo assim, o ano registrou crescimento na produção de carne suína. “Foi um leve crescimento decorrente do aumento de produtividade nos plantéis”, ressalta Jurandi Soares Machado, diretor de Mercado Interno da Abipecs. Um dos principais fatores apontados para isto foi a adoção da vacinação contra a circovirose, enfermidade que impactava enormemente os resultados produtivos das granjas brasileiras.
Dados da Abipecs apontam, em 2010, crescimento de 1,5% na produção de carne suína no Brasil em relação a 2009. Os volumes produzidos passaram de 3,19 milhões de toneladas para 3,24 milhões de toneladas. Esse crescimento foi sustentado pelo aumento de 3,5% no peso médio do abate sob Inspeção Federal (SIF).
O plantel de matrizes se manteve estável, ao redor de 2,45 milhões de fêmeas. Em cabeças, a oferta de suínos para abate aumentou 1,8%, passando de 33,8 milhões para 34,4 milhões. Em 2010, os abates SIF atingiram 28,8 milhões de suínos, crescimento de 2,5% na comparação com o ano passado. Do total da oferta de carne suína, 83% foi absorvida pelo mercado interno.
O movimento de crescimento na procura pela carne suína acontece no exato momento em que o setor busca novas formas de apresentação do produto. Cortes diferenciados e/ou em porções adequadas à atual rotina e tamanho das famílias brasileiras possibilitaram ao consumidor ter mais facilidades no preparo caseiro da carne in natura.
Ao mesmo tempo, a indústria vem desenvolvendo novos processados e tem identificado um aumento na procura por itens frescais como linguiças, cuja aceitação é alta junto ao consumidor brasileiro. “Todo o contexto econômico favorável não resultaria em um grande benefício para a suinocultura caso ainda estivéssemos vendendo coisas como pernil inteiro ou outros cortes de difícil preparo pelo consumidor”, comenta Valentini, da ABCS. A entidade vem trabalhando questões como esta, de comercialização, dentro do Projeto Nacional de Desenvolvimento da Suinocultura (PNDS), criado pela ABCS em parceria com o Sebrae. O projeto visa não só aumento do consumo, mas também identificar e sanar deficiências existentes ao longo da cadeia produtiva nos Estados participantes.
Na opinião de Valentini, o atual crescimento no consumo da carne suína tem no preço um fator importante, mas não o único. Ele indica que o brasileiro sempre apreciou o sabor desta proteína, mas nunca a encontrava dentro dos padrões que exigia.
Para o diretor da ABCS, mesmo que haja uma queda nos preços da carne bovina, o consumidor não retroagirá na opção pelo produto suíno, pois passou a tê-lo de forma mais rotineira em suas refeições. “O fato de a principal carne competidora estar com preços elevados fez o consumidor buscar uma alternativa e desta vez ele encontrou a carne suína sendo ofertada com uma melhor apresentação e a trouxe para a alimentação do seu dia a dia”, enfatiza o conselheiro da ABCS.
Ciclo longo – Pelas projeções, a suinocultura deverá aproveitar ainda mais este período de alta da carne bovina. O ciclo produtivo do boi é bem mais longo que o do suíno, por exemplo. Uma recomposição do rebanho bovino tende a se consolidar somente a partir do segundo semestre de 2012. E há outra tendência em curso.
O diretor de Mercado Interno da Abipecs acredita que o boi cada vez mais irá se internacionalizar, com o Brasil permanecendo como um dos principais fornecedores mundiais. Outros importantes players como Austrália e Estados Unidos já não dispõem de espaço para ampliações de rebanho. No País, o boi a pasto continuará a ser o principal sistema de produção, exatamente por ser o preferido no mercado internacional.
Só que o rebanho bovino tem hoje um limite de expansão por conta de regras ambientais contra o desmatamento e pela pressão da cana-de-açúcar. Nos últimos anos, a cana vem ocupando o espaço de pastagens, “prensando” o boi. Com o Brasil se mantendo como um grande exportador e o rebanho sem áreas para se expandir infinitamente, a tendência é o preço internacional balizar os valores praticados no mercado interno. “Hoje, o consumidor brasileiro já está pagando pela carne bovina o mesmo preço que o europeu ou americano paga pelo produto. É que nossa moeda está tão forte que não sentimos tanto”, afirma Machado.
Em um cenário assim, as beneficiadas são as outras proteínas animais, entre elas a suína. Este panorama abre margem para um maior ciclo de bonança na atividade, dentro de um quadro econômico favorável e sem detecção de problemas sanitários graves. “Naturalmente deve haver um crescimento mais substancial da oferta e talvez haja um pouco de aperto em 2012 ou 2013, mas frente às perspectivas econômicas e aos grandes eventos [se refere a Copa do Mundo e Olimpíadas] que o País sediará, temos um cenário bem favorável”, indica Machado.
Sem projetar muito para o futuro, em 2011 todas as perspectivas se mantêm positivas. O milho deve ter uma safra menor, o que vai pressionar os custos de produção. Com isto, a margem de rentabilidade do suinocultor deverá ser reduzida em relação às obtidas durante este ano. Porém, não chegará a haver falta do cereal. Oferta e demanda da carne suína também tendem a se manter ajustadas.
Não há informações sobre grandes projetos de expansão, que se iniciados no próximo ano terão impactos apenas posteriores. O que deve ocorrer será o aumento no alojamento de matrizes nos principais centros produtores, mas cuja produção deve ser absorvida sem maiores problemas. Machado aponta que há, ainda, uma expectativa em relação ao movimento das duas maiores empresas do setor de suínos no Brasil, criadas a partir da fusão Sadia/Perdigão (BR Foods) e Marfrig/Seara. Com seus processos de integração em andamento, ainda não se tem uma clara indicação de quais investimentos farão no longo prazo.
“Enquanto as empresas líderes do setor não se movimentam, as outras ficam em compasso de espera, aguardando antes de tomarem decisões sobre investimentos maiores”, reforça.
Valentini também não vê razões nem para um crescimento exagerado da oferta nem para uma queda abrupta da demanda em 2011. “A perspectiva é realmente boa para a suinocultura no próximo ano, salvo algum acontecimento que não podemos prever; mas fora isto creio que a situação será boa”, conclui.