Os 310 quilômetros que separam Buenos Aires de Rosário mostram bem a radical mudança por que passa a pecuária Argentina. À beira da estrada, bem conservada e com pedágios de cerca de R$ 1, vê-se a maior plantação de soja do mundo dentro de cercas.
As delimitações ainda existentes dos pastos e embarcadouros de animais abandonados mostram que a soja expulsou o gado da região ainda recentemente. Mais rentável, a oleaginosa teve a área ampliada de 10,7 milhões de hectares, em 2000, para 17 milhões no ano passado, empurrando o gado para o norte do país.
Esse foi o primeiro golpe à pecuária do país vizinho. O segundo veio do próprio governo, quando, em 2006, resolveu suspender as exportações de carne bovina para manter artificialmente baixos os preços internos para conter a inflação.
Não obteve resultados e tornou a pecuária ainda mais frágil. O setor acaba de receber um terceiro golpe tão contundente quanto os anteriores: a seca provocou a morte de 1,5 milhão de animais devido à falta de pastos e de água.
A conjugação desses fatores mostra um cenário sombrio para a Argentina. O rebanho deste ano deve ficar até 5 milhões de cabeças abaixo dos 53 milhões de 2008, com menor oferta de carne tanto para exportação como para o consumo interno, um dos maiores do mundo em termos “per capita”.
Com a chegada da seca, aumentou ainda mais o abate, principalmente de vacas, que chegou a 51% de todos os animais abatidos em alguns períodos do ano passado, acima do tradicional 40% a 42%. Esse abate de vacas comprometerá a oferta de bezerros.
Grande exportadora de carne, a Argentina corre o risco de ser importadora nos próximos dois anos, diz Macarena Correa, engenheira de produção do Crea, que reúne os produtores.
Além do crescimento do abate, os animais estão indo com peso menor para os frigoríficos. “O governo queria proteger o consumo interno, mas não só não conseguiu como destruiu as exportações e comprometeu a produção de carnes.”
O afastamento do gado de Buenos Aires já se reflete no principal mercado de venda de gado do país, o Liniers, localizado na capital argentina. No início da década, negociava 2,3 milhões de cabeças por ano. Em 2008, apenas 1,5 milhão.
Acima de Rosário, em direção a Santa Fé, a presença de pastos é mais constante, mas o gado é escasso e em pastos com pouca conservação, mostrando a falta de renda do pecuarista.
As boas áreas foram para a agricultura. Um exemplo é o de Pablo Luisetti, cujos familiares chegaram à região de Santa Fé em 1910. Ele destinava seus 400 hectares para gado até há pouco tempo. Hoje, 50% da área é para o cultivo de grãos, que rende três vezes mais que a pecuária. O restante permanece com gado devido à atração de Luisetti pela pecuária.
Mario Ferrari, também pecuarista, vê dificuldades pela frente. A seca tornou as vacas fracas e a desmama dos bezerros ocorreu mais cedo. As vacas vão demorar mais para ficar prenhes e essa deficiência alimentar vai afetar o desenvolvimento dos bezerros, diz ele.
Nicolás David, pecuarista ao norte de Córdoba e cuja família chegou à região em 1964, segue a tendência do mercado e destina parte das melhores terras à agricultura. Em sua terceira safra de grãos, não pretende avançar muito na agricultura.
A agricultura serve também para alimentar o gado em confinamento que mantém em uma das propriedades, atividade que pretende aumentar.