Os Estados Unidos anunciaram ontem o que promete ser a maior ofensiva do país no comércio internacional do agronegócio. Em cinco anos, o governo norte-americano quer dobrar as exportações do setor, que devem alcançar US$ 100 bilhões neste ano. A meta foi apresentada na abertura do Agricultural Outlook Forum 2010, em Arlington, cidade nos arredores de Washington que tradicionalmente é sede do evento organizado pela Secretaria de Agricultura dos EUA (USDA, na sigla em inglês). Caso se concretize, ela ameaça o desempenho das exportações agrícolas do Brasil, que no ano passado atingiram US$ 64 bilhões. O Paraná, maior produtor nacional de grãos, também sentirá com força os efeitos do avanço da agricultura dos EUA.
“Essa é a hora de fortalecer o comércio global de commodities agrícolas”, afirmou o analista do USDA Jim Miller, durante a cerimônia de abertura da conferência. “As estatísticas da agricultura norte-americana preocupam. A ‘América Rural’ representa apenas um sexto da população do país, mas é o setor que mantém a nação unida. Precisamos fortalecer o agronegócio através da abertura de novos mercados dentro e fora do país”, disse Tom Vilsack, secretário de Agricultura dos EUA. Sem maiores detalhes, o secretário deixou claro que para atingir a meta o país não deve medir esforços, inclusive com o aumento dos subsídios ao segmento.
Outra estratégia norte-americana para ampliar a participação no mercado mundial será intensificar os acordos bilaterais com os países onde cresce o consumo, como a China. Responsável por 54% do comércio global do complexo soja, o país asiático é a principal aposta norte-americana para alavancar as exportações do setor. Os chineses, vale lembrar, compram atualmente metade das exportações brasileiras do grão. Os EUA também querem participar do mercado de valor agregado. Um exemplo é a exportação de carne suína para Rússia, onde fatalmente fica estabelecida outra disputa com o Brasil.
Discurso diferente
A mudança no discurso em relação aos subsídios se justifica no esforço do governo pela recuperação econômica, abalada com a crise financeira deflagrada no segundo semestre de 2008. No ano passado o presidente Barack Obama tentou, sem sucesso, cortar progressivamente parte da ajuda do governo à agricultura. A proposta gerou polêmica e foi barrada no Congresso, onde o agronegócio sustenta um dos maiores lobbies. Agora, o novo posicionamento vai mexer com o mercado e com as relações internacionais, avaliam os analistas brasileiros que participam do Outlook 2010.
A ousadia preocupa o Brasil, que busca mais espaço para sua crescente produção. “Não vai ser fácil para os Estados Unidos dobrarem suas exportações. Não podemos subestimar a capacidade dos norte-americanos, mas é preciso considerar algumas variáveis para que isso possa ocorrer, como estrutura portuária, negociações internacionais e reciprocidade do mercado, além da reação dos outros países exportadores”, diz Thomé Guth, técnico da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) que acompanha as discussões do fórum.
Marco Olívio Morato de Oliveira, analista de mercados da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) que está no fórum, reforça que a estratégia dos Estados Unidos na busca de novos mercados vai explorar o tripé da sustentabilidade. “Eles estão se preparando e organizando a base desse processo, que passa pela recuperação do mercado, do produtor à exportação. O projeto é econômico, mas o apelo será o da produção sustentável”, alerta Morato de Oliveira.
O Agriculture Outlook Forum prossegue hoje com as discussões sobre a modernização da economia agrícola da China, o maior comprador mundial de soja.
Medida ameaça Brasil, até mesmo na soja – Ainda que não esteja claro como os Estados Unidos vão aumentar a produção para, então, elevar as exportações, o plano de ampliar sua participação no mercado do agronegócio é preocupante para o Brasil, principalmente se essa meta for cumprida à base de subsídios, avalia o presidente da Coamo, a maior cooperativa agrícola da América Latina, Aroldo Galassini. Ele considera que basta um momento de excesso de produção para que produtores de países como o Brasil enfrentem queda expressiva na renda, por causa da redução nos preços das commodities.
“O Brasil tem até mais condições de ampliar a produção que os EUA. Eles possuem bem menos áreas disponíveis. Mas, se houver subsídios, eles irão concorrer diretamente conosco. Não contamos com o mesmo tipo de apoio. E se os subsídios forem para exportar para a Europa ou países de demanda forte, teremos menos espaço. Qualquer aumento de produção é preocupante”, disse o executivo.
As exportações do agronegócio brasileiro renderam no último ano US$ 65 bilhões, 9,8% a menos do que em 2008, conforme o Ministério da Agricultura. A fatia do mercado que os EUA querem faturar é 53% maior que esse valor.
O plano de expansão já está em prática. Os EUA são líderes absolutos no milho e, mesmo na soja – grão em que o Brasil consegue competir em custo e produtividade –, avançam a passos largos. Nas últimas cinco safras, o Brasil manteve a média de exportação de 25 milhões de toneladas de soja, enquanto os EUA ampliaram seus embarques de 25 para 36 milhões de toneladas.
Para José Garcia Gasques, do Ministério da Agricultura (Mapa), que acompanha as discussões em Arlington, o Brasil precisa se preparar para um mercado ainda mais competitivo. A meta de ganhar posições no comércio mundial de soja e carnes, por exemplo, não considerava a ofensiva norte-americana, aponta. O Brasil pode ter de se reposicionar no mercado e nas relações diplomáticas comerciais, afirma. “Mas uma coisa é certa. Teremos que ser mais competitivos e caminhar para um agronegócio cada vez mais sustentável.”
Thomé Guth, da Conab, entende que a saída do Brasil é entrar no jogo. “A disputa por novos mercados ou pela demanda crescente dos compradores tradicionais será ainda mais dura.” Ele defende a intensificação das relações de comércio internacional, sejam elas bilaterais ou multilaterais, com um posicionamento mais firme do Brasil. Além disso, considera que é preciso enfrentar a precariedade da infraestrutura nacional.