A suinocultura brasileira encerrou sua participação no mercado internacional registrando retração nos volumes e aumento na receita. Sentindo os efeitos da valorização cambial – que tirou a competitividade do País frente a seus principais concorrentes – e da força do mercado doméstico – que desestimulou as exportações – o setor suinícola fecha 2010 com embarques abaixo do esperado.
O recuo nos volumes, no entanto, foi compensado pela valorização dos preços da carne suína no mercado internacional e, sobretudo, pelo crescimento do mercado interno. “O desempenho das exportações brasileiras foi positivo. O volume exportado foi menor, mas os preços internacionais se recuperaram e conseguiram compensar a defasagem cambial”, afirma Jurandi Machado, diretor de Mercado Interno da Associação Brasileira da Indústria Produtora e Exportadora de Carne Suína (Abipecs). “O mercado doméstico foi novamente o grande atrativo. Todo o volume que deixamos de exportar vendemos, com vantagem, no mercado interno”, completa. Em 2010 o preço médio da tonelada de carne suína no mercado internacional aumentou 23% em relação ao ano passado. O avanço dos preços, porém, foi insuficiente para levar as cotações ao nível pré-crise.
O destaque neste ano, mais uma vez, ficou por conta do mercado doméstico. Com o consumo aquecido foi mais vantajoso para as empresas brasileiras, sobretudo as pequenas e médias, comercializar seus produtos no mercado interno. “As indústrias só exportaram quando valia mais a pena do que vender internamente”, afirma Machado.
Outro grande acontecimento para o setor suinícola de exportação foi a decisão dos Estados Unidos de abrir seu mercado para a carne suína brasileira. Fruto de um trabalho de mais de três anos, a conquista do mercado norte-americano deve facilitar o acesso do setor suinícola brasileiro a outros grandes mercados consumidores.
Segundo estimativas da Abipecs, a suinocultura brasileira produziu 3,2 milhões de toneladas de carne suína em 2010 e exportou, desse total, cerca de 560 mil toneladas, volume 7% inferior ao registrado no ano passado, que foi de 607,49 mil toneladas. Já a receita com as exportações deve chegar a US$ 1,4 bilhão, ante US$ 1,27 bilhão registrada em 2009.
Preços em elevação – A recuperação da economia mundial trouxe reflexos positivos para o mercado internacional de carne suína e foi o pano de fundo para a valorização dos preços dos produtos suinícolas em 2010. A diluição dos efeitos da crise financeira internacional aumentou a demanda por carne suína. O restabelecimento do crédito normalizou o fluxo de comércio entre os países. “Esse movimento foi sinalizado pelos preços internacionais, que se elevaram”, comenta Machado. O preço médio da carne suína no mercado internacional entre janeiro e outubro foi de US$ 2.454 a tonelada, em comparação com US$ 1.990 no mesmo período do ano passado, um crescimento de 23,34%.
A estabilização da produção suinícola mundial também deu sustentação à valorização dos preços internacionais. Segundo Machado, o aumento da produção de grandes produtores de carne suína como a China, Canadá, União Europeia e Brasil deve ser residual neste ano. Já a produção norte-americana encolheu em 2010. Os excedentes exportáveis desses países também estiveram menores. “Num quadro de estabilidade da produção e de recuperação da demanda, os preços subiram”, explica o diretor da Abipecs.
Outro fator que ajudou a elevar a cotação internacional dos produtos suinícolas foi a redução da oferta de carne bovina no mercado mundial. “A escassez de carne bovina aumentou a procura pela carne suína e de frango. E o aquecimento da demanda se refletiu nos preços dessas duas proteínas”, afirma Machado. O Brasil é o maior produtor e exportador de carne bovina e dita o comércio internacional do produto. A pecuária nacional, no entanto, vive um período de ajustes. A crise enfrentada pelo setor de bovinocultura nos últimos anos levou os criadores a reduzirem seus plantéis, inclusive com abate de fêmeas. A medida interferiu no ritmo de produção, gerando escassez de oferta no mercado interno e externo e elevou os preços da carne bovina.
Mercado comprador – Mesmo com a demanda externa firme e o mercado comprador, o Brasil não conseguiu ampliar sua participação no comércio internacional de carne suína. O maior entrave para isso foi valorização cambial, que reduziu a competitividade do País em relação a seus principais concorrentes internacionais. A desvalorização do dólar frente ao real favoreceu as exportações dos Estados Unidos e da União Europeia, sobretudo no mercado russo, principal destino da carne suína brasileira. “A desvalorização do dólar reduziu os custos de produção dos Estados Unidos e os tornaram competitivos. Em alguns mercados os preços deles estiveram mais baixos do que os nossos”, afirma Machado. “O mesmo aconteceu com a União Europeia. E a concorrência entre o Brasil e a União Europeia é direta na Rússia, principal mercado para as duas origens”, completa. No acumulado dos dez primeiros meses do ano a queda em volume nas exportações para a Rússia foi de 9,62%. Em contrapartida, entre janeiro e outubro, a receita com as vendas para o mercado russo registrou um crescimento de 18,07%.
Nesse cenário, a forte demanda doméstica, que viabilizou bons preços no mercado interno, também influenciou as exportações brasileiras. Diante dos bons preços praticados no mercado local, as indústrias de pequeno e médio porte preferiram atender o mercado interno a exportar. “A forte demanda doméstica, resultado da melhoria de renda da população brasileira, assim como a expressiva alta de preços da carne bovina, concorrente direta da carne suína, mantiveram os preços internos fortemente aquecidos durante todo o ano, desestimulando as exportações”, explica Machado. “O real excessivamente valorizado e as despesas de exportação mais caras reduziram a competitividade do produto brasileiro no mercado internacional. Diante dessa situação parte dos exportadores optou por vender seu produto no mercado interno”. Segundo ele, as vendas no mercado interno estiveram concentradas, principalmente, nos produtos industrializados, sobretudo os frescais.
Para se ter uma ideia da força do mercado brasileiro em 2010, nos primeiros dez meses do ano, os volumes comercializados no mercado interno (abate SIF) representaram 119,8 mil toneladas a mais do que no mesmo período do ano anterior. De acordo com Machado, a queda de 9,75% nas exportações foi compensada pelo crescimento de 7,9% em volume nas vendas internas. “Felizmente o mercado interno esteve aquecido e absorveu nossa produção. Encerraremos o ano com estoque muito baixos”, afirma o diretor da Abipecs.
Chancela técnica – O ano de 2010 também marcou o avanço de algumas negociações do Brasil para o acesso a novos mercados. Várias missões estiveram no País e o intenso trabalho liderado pela Abipecs junto às autoridades brasileiras para a conquista de novos destinos para a carne suína nacional parece que começa a dar resultados.
A grande notícia para o setor suinícola de exportação neste ano foi a abertura do mercado norte-americano. A decisão do governo dos Estados Unidos vem coroar um trabalho de três anos, iniciado em 2007, logo após a obtenção na Organização Internacional de Saúde Animal (OIE) do certificado de livre de aftosa sem vacinação pelo Estado de Santa Catarina. “A abertura do mercado norte-americano não deve representar aumento das exportações, mas representa uma importante chancela técnica, o que deverá trazer reflexos internacionais positivos”, afirma Machado.
Os resultados da decisão da abertura dos Estados Unidos estão sendo imediatos. Logo após o veredicto do governo norte-americano, outros países já começaram a demonstrar interesse em rever suas posições em relação à compra da carne suína brasileira. O México, por exemplo, já anunciou sua intenção de realizar uma inspeção no sistema brasileiro de produção de carne termoprocessada. Igualmente, o Canadá, já acena com a possibilidade de abrir seu mercado para os produtos suinícolas brasileiros. A outorga do governo norte-americano deve também facilitar o acesso do setor suinícola brasileiro a outros grandes mercados consumidores como os dos países asiáticos.
Mercados prioritários – Ratificado o comércio com os Estados Unidos, a Abipecs passa a priorizar as negociações com cinco países – China, Japão, Coreia do Sul, União Europeia e México – para a abertura de seus mercados à carne suína brasileira. Os entendimentos com cada um desses países avançaram em 2010, embora num ritmo menor do que o esperado pela Abipecs.
Um dos destaques dos processos de abertura capitaneados pela Abipecs foi a visita da missão veterinária do México, realizada em Santa Catarina neste ano. Os mexicanos estiveram no País para conhecer as condições sanitárias e de produção da suinocultura brasileira. Quarto maior importador de carne suína do mundo, o México resistia a iniciar quaisquer negociações para a abertura de seu mercado. O Brasil negocia com as autoridades mexicanas desde 2008. Dada a resistência da Sagarpa (serviço sanitário mexicano) em realizar as análises técnicas dos produtos brasileiros, o País chegou até a apresentar uma reclamação formal junto ao Comitê Sanitário da Organização Mundial do Comércio (OMC) para a criação de um eventual contencioso. A nova postura adotada pelo México é considerada animadora pela Abipecs. Embora as negociações ainda estejam em estágio inicial, a iniciativa das autoridades mexicanas representa um importante passo para o estabelecimento de relação comercial com o país.
Outro país que realizou sua primeira visita veterinária oficial no Brasil foi a Coreia do Sul. A missão sul-coreana esteve no País realizando inspeção de reconhecimento do sistema sanitário do setor suinícola catarinense. A Coréia do Sul é o terceiro maior mercado importador de carne do mundo e há vários anos o Brasil tenta viabilizar a abertura de seu mercado de suínos. Mas, a despeito da condição sanitária da suinocultura brasileira, a Coreia do Sul tem dificultado entendimentos. A exemplo do México, a relação do Brasil com os sul-coreanos é conflituosa. “Só o fato dos sul-coreanos virem ao País para verificar a questão sanitária já é uma demonstração de que as negociações estão avançando”, avalia Rui Eduardo Saldanha Vargas, diretor de Mercado Externo da Abipecs. “Estamos aguardando o relatório deles. Mas é possível que a abertura do mercado norte-americano acelere o acesso ao mercado sul-coreano”, diz.
Mercados asiáticos – O Brasil aguarda também o relatório da visita realizada pela missão chinesa ao país. Em dezembro de 2009 representantes do serviço sanitário país asiático estiveram no Brasil e aprovaram regiões livres de aftosa, resolvendo a questão sob o ponto de vista do campo. O processo de abertura do mercado chinês tramita há vários anos e encontra-se em fase final. Mas as negociações caminham em ritmo lento. Nem mesmo a visita do presidente da China, Hu Jintao, ao Brasil, em abril, foi capaz de acelerar os entendimentos entre os dois países. No mês de novembro outra missão veterinária chinesa esteve no País para inspecionar as unidades abatedoras e o processo de industrialização da carne suína. “Esse é o último passo. Tecnicamente não há mais nada que impressa o Brasil de exportar para a China”, afirma Vargas.
As negociações com o Japão, maior mercado importador de carne suína do mundo, também caminharam em 2010. O Ministério da Agricultura respondeu o questionário sobre a sanidade do rebanho suíno brasileiro, o serviço sanitário japonês já esteve no Brasil para inspeção de análise de risco e a Abipecs aguarda agora a decisão das autoridades japonesas para saber se eles virão (ou não) para o País para habilitação das plantas frigoríficas. “Normalmente os japoneses não fazem esse tipo de habilitação in loco. Eles costumam fazer esse tipo de visita apenas para liberar a compra de produtos termoprocessados”, explica Vargas.
Segundo o diretor da Abipecs, as negociações com o Japão encontram-se em estágio intermediário. Ele explica que, finalizada essa etapa, o Brasil ainda tem negociar a assinatura do certificado sanitário entre os dois países. “Ainda é necessário definir as exigências que teremos que cumprir, em termos de garantia sanitária, para que possamos exportar para o mercado japonês”, explica. “Como o Japão não é nosso concorrente talvez a negociação caminhe mais rápido”, avalia Vargas.
O mercado da União Europeia é outro que está em vias de ser aberto para a carne suína brasileira. As negociações estão em estágio final e há pouca margem para que os europeus estipulem alguma nova exigência que impeça o acesso dos produtos suinícolas brasileiros àqueles mercados. Em 2009 o Ministério da Agricultura respondeu os questionamentos apresentados pela União Europeia em relatório realizado após missão veterinária realizada no ano passado. Só isso bastaria para que as autoridades sanitárias europeias promovessem a abertura imediata, mas eles resolveram atrasar o processo e determinaram nova missão veterinária, programada para acontecer entre fevereiro e março próximos. “A missão da União Europeia vem ao Brasil para ver a demonstração dos sistemas de produção de suínos brasileiros”, explica Vargas. “Estamos no estágio final do processo de abertura. Se eles aprovarem o sistema não há mais o que questionar. A chancela europeia deve vir no ano que vem”, completa o diretor da Abipecs.
Próximo ano – Para Jurandi Machado as perspectivas são promissoras para o setor suinícola em 2011. Para o executivo não há sinais de significativas mudanças para o próximo ano. Segundo Machado, a oferta seguirá ajustada a demanda, os preços firmes e, tanto a produção quanto o abate, estáveis no ano que vem. “A economia brasileira tem perspectivas de crescimento. A melhora do poder aquisitivo da população brasileira manterá o mercado interno aquecido e o consumo em expansão”, afirma Machado. “Tudo indica que teremos um bom ano em 2011”.
No campo externo, Machado estabilidade nas exportações. Ele acredita que a abertura do mercado norte-americano deve facilitar o acesso brasileiro a outros mercados, mas não prevê aumento considerável dos embarques. “As negociações no mercado internacional não evoluem do dia para a noite. Nem nós temos capacidade para atender uma grande demanda no ano que vem. Não há produto”, afirma o diretor da Abipecs.
Apesar do otimismo, dois pontos, na opinião de Machado, podem minar a rentabilidade do setor em 2011 e merecem atenção. São eles o câmbio e o aumento dos preços das commodities internacionais. “A alta dos preços dos grãos pode exercer pressão sobre os custos da suinocultura”, adverte. “Já o cambio deve permanecer sobrevalorizado e o real forte diminui nossa competitividade lá fora”, completa. Segundo Machado, a instabilidade das moedas pode travar o comércio mundial.