Após seis anos de negociações com o Egito, o Mercosul está a um passo de fechar seu segundo acordo de livre comércio fora da vizinhança sul-americana – o primeiro foi com Israel e entrou em vigência no primeiro semestre. “Restam algumas pendências em questões de texto e nos cronograma de desgravação tarifária, mas temos boas chances de assinar em San Juan”, disse ao Valor o chefe do departamento de negociações internacionais do Itamaraty, embaixador Evandro Didonet, referindo-se à reunião de cúpula do Mercosul, que ocorrerá nos dias 2 e 3 de agosto, no interior da Argentina.
Uma nova rodada de negociações foi marcada para o fim de semana anterior à reunião, com o objetivo de superar as últimas divergências e possibilitar a assinatura do acordo pelos chefes de Estado do Mercosul. O ministro de Comércio do Egito, Rachid Mohamed, participará da cúpula, o que demonstra a expectativa positiva sobre a conclusão das discussões. “Mesmo se não tivermos nenhum avanço adicional, a cobertura de produtos beneficiados pelo acordo ficará seguramente acima de 90% do total”, comentou Didonet.
As exportações brasileiras ao Egito representam apenas 0,82% das vendas globais do País, mas se multiplicaram por seis nos últimos dez anos e atingiram quase US$ 1,5 bilhão em 2009. As importações de produtos egípcios pelo Brasil são minúsculas: US$ 88 milhões no ano passado, mas já registraram alta de 101% no primeiro semestre de 2010.
O acordo de livre comércio entre Mercosul e Egito deverá ter cinco grupos diferentes de produtos. Os quatro primeiros terão redução a zero, em até dez anos, das tarifas de importação (de forma imediata, em quatro, oito e dez anos). O quinto grupo engloba os chamados “produtos sensíveis”, cuja queda de alíquotas ainda não está assegurada.
Didonet afirmou que o Mercosul deverá garantir condições preferenciais de acesso ao mercado egípcio para produtos como frango congelado, automóveis, calçados, papel e celulose, café solúvel, suco de laranja, cacau, açúcar e tabaco. Funcionários da embaixada do Egito em Buenos Aires, no entanto, afirmaram que há preocupação do país com a competitividade brasileira em alguns segmentos do agronegócio, e produtos como frango ainda podem ser classificados como sensíveis, ficando de fora do prazo de dez anos para a diminuição de tarifa a zero.
Para Lúcia Maduro, consultora da unidade de negociações internacionais da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o acordo com o Egito “é modesto, mas pode funcionar como paradigma” ao abrir mais portas dos países árabes aos produtos brasileiros. Embora tenha ressaltado que a entidade atuou “em sintonia” com o Itamaraty nos pedidos e nas ofertas de liberalização comercial, ela demonstrou preocupação com o rumo das discussões sobre as regras de origem que estarão no acordo.
Segundo Lúcia, o Egito usa conceitos diferentes dos adotados no Mercosul. Por isso, se o bloco sul-americano flexibilizar as regras de origem, o resultado pode ser “uma armadilha”: redução das tarifas de importação para produtos com etiqueta do Egito, mas índice muito baixo de conteúdo local.
Didonet admitiu que esse é um dos pontos que ainda precisam ser resolvidos nas negociações. Apesar da expectativa positiva, ele deixou claro que o Mercosul não comprometerá a qualidade do acordo somente para anunciá-lo durante a próxima cúpula do bloco. “Prefiro ter cautela, tudo pode mudar até o último minuto. Mas, se não fecharmos agora, o acordo certamente será celebrado até o fim de 2010”, disse.
Além dos setores mencionados pelo diplomata, a consultora da CNI destacou o interesse de setores como perfumaria e cosméticos, móveis, eletroeletrônicos e cutelaria no acordo. A Embraer também tem interesse em garantir suas futuras vendas de aviões sem a cobrança de alíquotas de importação. Por outro lado, o Egito é um concorrente temido pela indústria têxtil. “Do ponto de vista dos têxteis, pode ser ruim”, afirmou Lucia, acrescentando produtos químicos e de siderurgia como “sensíveis” dentro do acordo.