Os países do Mercosul fecharam na quarta-feira a oferta conjunta para um acordo de livre comércio com a União Europeia. A lista comum prevê a eliminação completa das tarifas de importação cobradas pelos países do bloco a 87% do volume de comércio com os europeus, mas pode chegar a 90%, segundo o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Mauro Borges.
Segundo o ministro, estão faltando apenas alguns detalhes, e são eles que podem elevar a oferta para uma cobertura de 90%. O avanço foi obtido em reunião técnica do Mercosul, na quarta-feira, em Montevidéu. A costura final dos detalhes deve ser feita no dia 29, em nova reunião já marcada para a capital uruguaia, onde os quatro sócios do bloco – a Venezuela não participa das negociações com a UE – pretendem bater o martelo.
Ao contrário do que ocorria até o mês passado, quando a construção de uma proposta única esbarrava na relutância argentina em abrir mais rapidamente seu mercado, os parceiros do Mercosul contornaram suas principais divergências. A mudança de postura da Argentina nas últimas negociações surpreendeu o governo brasileiro. O relato dos negociadores é que os argentinos teriam se dado conta de que, também para eles, o acordo com a UE é bom e o país não pode ficar isolado.
Não se fala mais, segundo um técnico diretamente envolvido nas negociações, de propostas separadas. Brasil, Uruguai e Paraguai cogitavam apresentar ofertas individuais à UE como forma de se contrapor à lentidão da Argentina nas discussões de um acordo com os europeus. Essa possibilidade foi descartada em Montevidéu.
O ministro comparou o sócio do Mercosul a um vizinho com o qual você precisa estabelecer uma cooperação, apesar dos problemas. “A Argentina é igual ao vizinho que você tem na Vieira Souto. Você está em um andar, e ele mora em cima. Eu nunca vou sair da Vieira Souto, acredito que ninguém vai sair, de vez em quando dá umas pingadas, o vizinho não faz manutenção direito, pinga, da infiltração, de vez em quando faz um pouco de barulho, incomoda, a gente não dorme direito. Agora, eu nunca vou sair de lá, nem eles. Qual que é a solução nesse dilema do prisioneiro? É cooperar. É o que a gente fez agora na oferta”, acrescentou.
Até março, um dos obstáculos para avançar em uma oferta única não era propriamente o nível de cobertura da lista argentina, mas o cronograma proposto para a abertura do mercado vizinho. Isso significa que, embora tivesse alcançado uma proposta para eliminar mais de 85% de suas tarifas de importação, a Argentina jogava um grupo considerável de produtos para as cestas de redução tarifária com períodos mais longos. Com essas ressalvas, a oferta argentina ficava incompatível com a dos outros três sócios.
Os países do Mercosul, conforme informou o ministro, começaram de uma lista comum que abrangia 60% do comércio. Esse foi o percentual obtido quando os negociadores cruzaram a lista individual das ofertas de cada país. A partir dessa lista, começaram as negociações que permitiram alcançar o patamar de 87%, encarado como piso pelo governo brasileiro, que ainda acredita que essa proposta possa crescer até 90%. Também já está decidido, segundo Borges, que a proposta será única, sem produtos diferenciados e sem velocidades diferentes de adesão, uma possibilidade cogitada algumas semanas atrás.
“A reunião de ontem [quarta-feira] foi extremamente bem-sucedida e nós temos, a partir de agora, todas as condições de fazer uma oferta”, disse o ministro. Para o Brasil, segundo ele, o acordo com a União Europeia é estratégico. “A economia brasileira é inteiramente integrada ao mundo, e essa integração comercial com a Europa é decisiva, é o primeiro passo de um novo ciclo de integração comercial brasileira.”
“É um bom sinal”, afirmou o diretor da Confederação Nacional da Indústria (CNI) Carlos Abijaodi, um dos empresários mais ativos no acompanhamento das negociações, ao ser informado dos avanços. “Mas esperamos que isso se confirme no fim do mês”, completou, com um toque de cautela.
A expectativa do governo brasileiro é que essa oferta possa ser apresentada aos europeus entre o fim de maio e o começo de junho. “Eles [os europeus] dizem que estarão prontos para a oferta, é isso que eles falam, nós não vimos a oferta deles ainda”, disse Borges. A negociação do acordo birregional de livre comércio já dura 14 anos, foi interrompida seis vezes e envolve remover ou reduzir barreiras para produtos agrícolas e industriais, abrir mercados para serviços, investimentos, compras governamentais e inclui questões regulatórias.
Para os europeus, de um lado o Mercosul já fez progresso, tendo assegurado que virá mesmo com oferta comum e não separada por país. De outro, a expectativa é de que o bloco apareça com uma oferta de liberalização mais abrangente do que tem sinalizado até agora. Em maio de 2004, o Mercosul teve recusada pela UE sua oferta cobrindo 86,7% do comércio. Em 2010, quando as discussões foram retomadas, ficou acertado que a oferta deveria assegurar liberalização perto de 90%.
Outras dificuldades podem surgir. Primeiro, o negociador-chefe da UE para a negociação com o Mercosul, o português João Machado, deixa o cargo no fim do mês. O substituto será o alemão Rupert Schlegelmilch, que conhece o andar das discussões, mas não no mesmo nível de detalhe. Segundo, o Parlamento Europeu, agora com voz forte nas negociações, será renovado em eleição no fim de maio. Em seguida, haverá a briga pela escolha dos novos comissários da Comissão Europeia, o braço executivo da UE. E tudo isso retarda processos decisórios. Além disso, a UE coloca ênfase na negociação de acordo de comércio e investimentos com os EUA.