Redação (26/11/2007)- O primeiro acordo de livre comércio do Mercosul com um país de fora da América Latina pode ser com Israel, no começo de 2008. É o que tentarão fazer as delegações do bloco e do pequeno país do Oriente Médio, na rodada de negociações que começa hoje, em Genebra. "É um acordo próximo da conclusão, embora não se possa garantir que será firmado nessa rodada", informou ao Valor o diretor do Departamento de Negociações Internacionais do Itamaraty, Evandro Didonet.
Segundo participantes das discussões e integrantes do setor privado com interesse no acordo, há ainda obstáculos, como a resistência de Israel em dar tratamento preferencial para exportações do Paraguai e Uruguai, sócios menores do Mercosul, e dificuldades entre Israel e Argentina em torno do comércio de herbicidas para agricultura. Mas a disposição dos parceiros em firmar o acordo já revela, porém, que foi afastada a idéia de fazer o acordo com Israel seguir o mesmo ritmo das negociações com países árabes, um dos principais fatores de atraso nas discussões.
Até meados deste ano, os diplomatas dos países do Mercosul tentaram fazer avançar em conjunto os dois acordos, com Israel e com os árabes reunidos no Conselho de Cooperação do Golfo. A forte oposição da indústria petroquímica brasileira e a decisão dos árabes de priorizarem as negociações com a União Européia, mais avançadas, descolaram as duas negociações e a discussão com Israel está reduzida a poucos pontos e detalhes de texto, que podem ser resolvidos nesta rodada em Genebra – ainda que o Itamaraty não queira criar expectativas.
As negociações com Israel já motivaram protestos de organizações não-governamentais e partidos de esquerda, que acusam os governos do Mercosul de legitimar, com o acordo, a ação de Israel no Oriente Médio, com colônias em territórios reclamados pelos palestinos, que receberiam do governo israelense tratamento discriminatório.
O acordo permitiria ao governo exibir um avanço na política de abertura de mercados e serviria de exemplo ao argumento do governo brasileiro de que a ação comercial não é pautada por critérios ideológicos.
A reafirmação do caráter pragmático das negociações e o empenho para não desagradar os parceiros no mundo árabe era a principal razão – oficiosa – para evitar um acordo em separado. O setor privado brasileiro apóia as negociações, embora grande parte dos empresários, inclusive na direção da Federação das Indústria do Estado de São Paulo (Fiesp), acredite que, se o acordo for alcançado ele terá um efeito mais simbólico que prático.
A balança comercial entre Brasil e Israel está em pouco mais de US$ 700 milhões, com forte superávit para os israelenses. O país tem importações da ordem de US$ 50 bilhões, porém, principalmente alimentos, pedras preciosas, petróleo, celulares, motores de automóveis e outros manufaturados. O Brasil exporta a Israel em torno de US$ 300 milhões anuais, principalmente carne congelada, tubos de cobre e produtos agrícolas, e compra cerca de US$ 400 milhões, principalmente insumos para agricultura.
As autoridades israelenses argumentam, com os acordos de cooperação econômica que firmaram com o Egito e um mais amplo com a Jordânia, que o tratado de livre comércio com o Mercosul não tem potencial de envenenar a relação entre o bloco e os países árabes. O acordo é negociado desde 2005, quando os países do bloco e Israel firmaram um acordo-quadro sobre comércio. Até hoje, porém, esse acordo-quadro não foi votado no Congresso brasileiro.
A perspectiva de concluir o acordo de livre comércio entre Mercosul e Israel ocorre na mesma semana em que o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, participa, como representante do Brasil, das negociações de paz entre israelenses e palestinos convocadas pelo governo dos EUA para a cidade de Annapolis – nas quais os brasileiros serão os únicos participantes da América Latina. Em uma demonstração de que os laços comerciais têm independência em relação à agenda política, Amorim deve reafirmar, em Annapolis, o apoio à devolução de territórios tomados por Israel aos palestinos, e oferecerá ajuda técnica e humanitária, como a prestada ao Haiti e Guiné Bissau por Brasil, Índia e África do Sul.