A União Europeia ameaçou suspender as negociações para um acordo de livre comércio com o Mercosul, retomadas nesta semana após seis anos de estancamento, caso a Argentina mantenha obstáculos à importação de alimentos processados.
As barreiras protecionistas retiveram, na alfândega argentina, carregamentos com massas italianas, azeites espanhóis, queijos franceses, chás ingleses e pêssegos em calda gregos, segundo o diretor-geral-adjunto de Comércio da UE, João Machado. Ele se referia à determinação – sempre negada pela Casa Rosada – de impedir a entrada de produtos alimentícios importados que tenham similares nacionais.
Como fez em várias ocasiões com o governo brasileiro, o Ministério da Indústria da Argentina reagiu rapidamente, voltando a rechaçar a existência de barreiras. Machado manteve suas reclamações. “Não há uma lei ou um decreto, mas o que existe – e sabemos disso porque temos uma cópia – é uma circular interna. Não tem o valor jurídico de uma lei ou um decreto, mas estamos falando de artifícios. A verdade é que os contêineres estão parados nos portos, ninguém pode negar. O comércio foi afetado e os operadores econômicos, para evitar riscos, decidem cancelar os contratos”, disse o funcionário europeu ao jornal argentino “La Nación”.
O Valor apurou, com diplomatas sul-americanos, que a mesma insatisfação foi transmitida pela delegação da UE durante a primeira rodada de negociações com o Mercosul, que termina hoje, em Buenos Aires.
Machado chegou a deixar em aberto a segunda rodada de negociações, condicionando sua realização à retirada das barreiras. Tentando contemporizar, os representantes do Mercosul pediram aos europeus tratar essas divergências de forma bilateral, com a Argentina, em um apelo para evitar reflexos negativos nas discussões do acordo de livre comércio.
“O acordo vai justamente na direção de evitar esse tipo de problema. Uma coisa não deve contaminar a outra, e interromper a negociação não ajuda em nada”, desabafou um diplomata sul-americano. A expectativa do Mercosul é continuar as discussões logo após as férias de verão na Europa, que duram até meados de setembro. O bloco estará com presidência temporária brasileira, ao longo do segundo semestre, e o Itamaraty espera impulsionar as conversas antes de passar o bastão ao Paraguai.
Nas reuniões desta semana, não houve troca de pedidos e de ofertas de liberalização comercial. Por enquanto, os dois lados apenas revisaram em que estágio cada ponto das negociações havia parado, em 2004. Também começaram a discutir sobre normas e procedimentos, como regras de origem e salvaguardas, que devem estar presentes em qualquer acordo. Não se definiu nenhum prazo, mas a UE chegou a mencionar a expectativa de firmar o tratado em um ano.
De qualquer forma, reiterou a delegação europeia, isso ocorrerá apenas se a Argentina voltar atrás em suas barreiras aos alimentos importados. A UE levará o caso à Organização Mundial do Comércio (OMC), na próxima semana, em reunião do Conselho sobre o Comércio de Bens.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) tem feito as mesmas reclamações. Segundo a entidade, embora não haja mais retenção na fronteira de caminhões transportando alimentos, os importadores argentinos cancelaram encomendas que totalizam US$ 2 milhões por mês, a fim de não contrariar as orientações do governo. Enlatados, preparados para massas, chocolates e guloseimas em geral têm sido afetados, de acordo com a Fiesp.