De manhã cedo, no limiar da selva indonésia, logo depois da primeira prece da manhã, camponeses começam a levar seus latões de leite para a cooperativa Purwodadi.
Alguns produtores rurais vêm a pé de um raio de quilômetros, mas um número crescente chega de moto, vespas e até peruas para entregar o leite que será transformado em bebidas e produtos de leite em pó na fábrica Kejayan, da Nestlé, em Java Oriental.
Eles estão no primeiro estágio de um processo pelo qual multinacionais de alimentos como a Nestlé cada vez mais compram, produzem e distribuem localmente para faturar mais em mercados emergentes e amenizar a alta do custo de ingredientes como leite, açúcar e cacau.
Concorrentes como a Danone SA, a Unilever NV e a Kraft Foods Inc. também estão adaptando cada vez mais seus produtos para os clientes de mercados emergentes, o que também permite driblar a alta dos preços. Cada vez mais isso significa fazer os produtos nos mercados em que são vendidos, bem como adaptá-los para as exigências nutricionais, gostos e orçamentos locais.
A Nestlé tem aplicado a mesma estratégia na América Latina, tendo tido o Brasil como uma das primeiras praças nessa experiência.
Na Indonésia, “todas as nossas marcas são produzidas localmente. Não faz sentido começar a importar”, disse Patrick Stillhart, executivo da Nestlé no país. “A ideia é trabalhar com matéria-prima local, obter tudo localmente e diminuir o desperdício da cadeia de suprimento”, acrescenta Stillhart, que dirige a parte de café e de produtos ‘posicionados popularmente’ – alimentos e bebidas para consumidores de baixa renda- na Indonésia.
A Nestlé quer reduzir, em Java Oriental, a dependência de importações da Austrália, Nova Zelândia e dos Estados Unidos, e dobrar a produção local de leite em colaboração com produtores locais. Ela está investindo em cooperativas locais, melhorando o suprimento de água para o gado e construindo galpões. A empresa também está oferecendo empréstimos a juros abaixo do mercado para ajudar os produtores a aumentar o número de cabeças de gado.
Há 3.600 produtores fornecendo para a cooperativa Purwodadi, a maioria deles pequenos, com entre três e cinco vacas cada.
Manu Schaerer, gerente de compra de leite e desenvolvimento de laticínios da Nestlé em Java Oriental, diz que apoiar os produtores por meio de cooperativas faz sentido porque a empresa precisa reduzir a dependência dos importados. “Temos visto muita volatilidade nos preços de laticínios”, diz ele. “Tem existido um grande desequilíbrio entre oferta e demanda, com a China, por exemplo, comprando quantidades crescentes de leite. Não queremos depender do mercado internacional para o nosso suprimento de matéria prima.”
O que também ajuda a reduzir os custos é a produção local de laticínios, que elimina a necessidade de transporte e de embalagens caras, que podem responder por até 30% do custo dos produtos vendidos.
Entre os investimentos está a fábrica Tanauan, nas Filipinas, onde a Nestlé está gastando US$ 100 milhões para instalar uma unidade para produzir leite em pó da marca Bear Brand e leite sem lactose.
Alguns dos produtos seguirão para o segmento de produtos posicionados popularmente, os PPPs. Eles incluem versões em sachê do chá com limão Nestea e do Nescafé 3 em 1, que geralmente é vendido no Sudeste Asiático pelo equivalente local a US$ 0,10.
O suco em pó La Frutta, vendido na América Latina, também está na categoria PPP, assim como as bolachas recheadas Milo Sandwich. A Nestlé tem aumentado seus investimentos em fábricas locais para fazer seus produtos mais perto dos consumidores e reduzir custos de logística.
A companhia abriu sua primeira fábrica exclusiva PPP em Feira de Santana, BA, em 2007.Em março, a empresa anunciou que ia investir cerca de US$ 100 milhões para construir uma nova fábrica de laticínios no Rio de Janeiro para produzir as marcas Ninho e Molico, enquanto investe quantia semelhante numa nova fábrica de leite em pó em Osorno, no sul do Chile.
Em setembro passado ela também abriu uma fábrica modernizada no Estado mexicano de Chiapas que produz o pó não lácteo para misturar no café Coffeemate. A planta vai fornecer ao México, América Central, América do Sul e Caribe produtos antes importados dos EUA.
Na mesma linha, ontem a Kimberly-Clark anunciou que vai criar um centro na Colômbia para desenvolver produtos específicos para os gostos regionais.
A compra de matéria-prima de fornecedores locais também tem sido ampliada na América Latina. Em fevereiro, a Nestlé levou seu Plano Nescafé para a Colômbia, onde vai trabalhar com cerca de 1.200 produtores. A empresa oferece treinamento e mudas de cafeeiros de maior rendimento e mais resistentes a pragas.
As mudas serão usadas para renovar cerca de 700 hectares de terras aráveis este ano, segundo a empresa. Um total de 50 milhões de mudas devem ser distribuídas na Colômbia até 2020, pelos planos da Nestlé.
Programa similar é desenvolvido por ela no Equador, com 1.800 produtores de cacau.
Para melhorar a distribuição, a empresa tem recrutado vendedores porta a porta para regiões pobres do Brasil e até um supermercado flutuante para chegar às populações ribeirinhas da Amazônia.
Analistas dizem que a única maneira de alcançar os clientes na base da pirâmide do consumo é modificar os produtos. O modelo PPP é projetado para atrair novos consumidores e, embora não seja projetado para diminuir o custo com matéria-prima, tem ajudado.
Conquistando os níveis mais humildes do mercado, as empresas de alimentos podem gerar lealdade às suas marcas e começar no futuro a vender produtos mais caros a medida em que aumenta a renda, diz o analista do setor de alimentos James Amoroso, baseado na Suíça.
“Chegar à base da pirâmide de consumo tem tudo a ver com ser pioneiro. Se você pode chegar lá antes das outras empresas, terá uma vantagem”, diz Amoroso. Ele acrescenta que as empresas podem identificar os melhores varejistas e distribuidores para seus produtos e incrementar a imagem positiva de suas marcas e, no fim, suas vendas e lucros.
O diretor-presidente da Nestlé, Paul Bulcke, diz que os mercados emergentes estão crescendo mais que o dobro da taxa de mercados desenvolvidos. No primeiro semestre, diz ele, as vendas de produtos PPP da empresa aumentaram 13%.