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Entrevista

"Na prática, já tivemos racionamento", diz físico e ex-ministro de Ciência e Tecnologia José Goldemberg

O apagão do início de fevereiro foi um sinal de que há uma grave sobrecarga no sistema elétrico brasileiro, na avaliação de Goldemberg.

"Na prática, já tivemos racionamento", diz físico e ex-ministro de Ciência e Tecnologia José Goldemberg

O consumo de energia está crescendo por uma orientação do governo de ampliar o acesso da população a eletrodomésticos e a outros bens. Mas os investimentos para elevar a oferta de energia não têm acompanhado essa expansão.

“O resultado é que o sistema elétrico está estressado”, diz o físico José Goldemberg, professor do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo e ex-ministro das pastas de Ciência e Tecnologia e Meio Ambiente de 1990 a 1992. O pior: “Não há solução de curto prazo”, afirma ele. “Por ora, é rezar para que chova.”

1) EXAME – Qual a sua avaliação sobre o apagão de 4 de fevereiro, que afetou 13 estados?

José Goldemberg – É um sinal grave de sobrecarga do sistema elétrico. Não tenho dúvida disso. O consumo está crescendo e não tem sido acompanhado das obras de infraestrutura necessárias. Então o sistema está estressado e no limite.

2) EXAME – Qual o motivo para essa situação?

José Goldemberg – A demanda por energia cresce rapidamente por uma orientação ideológica. O governo enfatizou o consumo das populações de baixa renda nos últimos anos. Não tenho objeção a isso, mas do jeito que está sendo feito leva a distorções.

3) EXAME – Mas o investimento no setor tem crescido, certo?

José Goldemberg – O investimento não está sendo feito corretamente. O governo entendeu que precisa atrair o setor privado com os leilões para geração. Só que, até recentemente, todas as fontes competiam entre si.

Quem vencia sempre eram as hidrelétricas — o que é até bom, por serem mais baratas e poluírem menos. Mas elas sobrecarregam o sistema de transmissão, porque normalmente estão longe do local que abastecem.

Outro problema é que os leilões são nacionais, mas deveriam ser regionais, para haver um tipo de geração que seja vantajosa — como a eólica no Nordeste, onde venta bastante, e a por biomassa em São Paulo, onde há muito bagaço da produção de cana-de-açúcar.

4) EXAME – Qual o problema da transmissão de energia?

José Goldemberg – Falta de manutenção. As linhas de transmissão são de responsabilidade do governo — só agora ele tem passado um pouco para a iniciativa privada. Eu fui presidente de uma empresa de energia e, dentro da cultura do setor, a manutenção não tem o mesmo prestígio da construção de usinas.

A solução está em gerar mais energia, fazer leilões de forma correta e construir hidrelétricas com reservatórios para dar mais segurança ao sistema. Os ambientalistas vão reclamar, e o governo terá de gerir isso.

5) EXAME – Há risco de racionamento de energia?

José Goldemberg – Já estamos vivendo um racionamento na prática. É só ver as explicações oficiais depois do apagão: cortou-se a energia de um lugar e abasteceu-se aquele considerado mais importante. O operador do sistema fez muito bem. Mas isso mostra que o sistema cresceu desordenadamente.

6) EXAME – Qual a diferença entre a reação do governo atual e a que houve no racionamento em 2001 e 2002?

José Goldemberg – Naquela época, houve propaganda oficial para as pessoas apagarem as luzes e reduzirem o consumo. Desta vez, isso, que poderia ajudar muito, não está sendo feito.

7) EXAME – O que esperar daqui para a frente?

José Goldemberg – Se não chover dentro de um ou dois meses, os problemas vão se agravar. E aí não há solução para o curto prazo. O mais recomendável a fazer agora é rezar para que chova.