Um projeto de lei em gestação na Comissão de Agricultura da Câmara propõe regular as intrincadas relações de produtores integrados com empresas e agroindústrias. Em termos duros, a proposta prevê contratos obrigatórios de longo prazo, punições por descumprimento de cláusulas, corresponsabilidades em questões ambientais, abertura da planilha de custos e “participação” da indústria nos riscos da produção primária.
O projeto, sugerido pelo deputado Valdir Colatto (PMDB-SC) com o aval da Confederação da Agricultura e Pecuária (CNA), também submete a discussões dos eventuais problemas entre empresas e produtores em um “fórum paritário” para soluções de controvérsias com participação do Congresso Nacional, do governo federal e de entidades de representação sindical.
O projeto de lei, apresentado de forma preliminar e reservada na quarta-feira a alguns dirigentes, deve ser protocolado na comissão até início de dezembro. As regras atingem os mais diversos segmentos do agronegócio – cana-de-açúcar, maçã, madeira, suínos, bovinos, etanol, sementes, lácteos, frango, laranja, fumo, entre outros. “É um ‘guarda-chuva’ para todos”, afirma Colatto. “Hoje, a indústria não dá garantia de mercado. O integrado só entrega e não sabe o que tem por dentro do contrato”.
A iniciativa contraria as indústrias. “Acompanhamos o processo porque há um projeto muito ruim que saiu da CNA, que precisa ser aprimorado”, afirma o presidente da União Brasileira de Avicultura (Ubabef), Francisco Turra. As empresas já preparam um contra-ataque: “Vamos levar a nossa proposta. Não podemos engessar essas relações. Um fórum, por exemplo, é inviável. Não vamos deixar que saia um monstrengo para inviabilizar a atividade”.
Mas a bancada ruralista tem apoio dos trabalhadores para levar o projeto adiante. “Queremos, sim, democratizar essa relação. É preciso ter regulação, contratos mais claros e abrir as planilhas para negociação”, defende o presidente da Contag, Alberto Broch. “Do jeito que está, o produtor é um assalariado. Ele passa por uma forte seleção da indústria, que exige que produzam cada vez mais e tiram alguns da atividade. E, na ânsia para não sair, o integrado fica submetido ao bel-prazer das empresas”.
O projeto ressalva as obrigações de cooperativas com seus cooperados, mas propõe o Conselho Nacional de Integração e Parceria Rural (Conir), cuja principal função seria regulamentar as relações integrados-empresas dentro de um programa federal. Seria composto por dirigentes de seis ministérios e parlamentares das comissões de Agricultura da Câmara e do Senado. A Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) teria uma diretoria para cuidar desse programa, que premiaria com incentivos as iniciativas socioambientais “justas”.
O projeto prevê até o tamanho das fontes (“doze ou maior”) em que devem ser redigidos os contratos. Cada texto deve conter características do sistema, exigências técnicas e legais, fornecimento de insumos e serviços, prazos de produção, tecnologia, padrões, métodos de aferição de qualidade, fórmulas de cálculo para eficiência produtiva e prazos de pagamento.
O projeto também desce a detalhes mínimos da relação comercial. A remuneração média, por exemplo, deverá obedecer “preços médios mensais líquidos” de venda dos produtos por destino final e na saída da agroindústria ou “no atacado ou varejo mais próximo”.
As empresas devem, ainda, levar em conta custos financeiros e administrativos do crédito, acesso a áreas produtivas, questões tributárias, trabalhistas e previdenciárias, proteção ambiental, exigências sanitárias, investimentos em modernização, atualização de desempenho das linhagens animais e vegetais, seguro da produção, sanções por inadimplência ou rescisão.
Pelo texto, o integrado terá direito a receber a cada três meses um “extrato” com todos os dados do contrato, além de descrição de planos futuros, investimentos e estimativas das empresas e indústrias.