Com a ajuda que o conhecimento do passado trás ao analista, tenho hoje uma ideia bem clara dos limites da política econômica que a presidente Dilma herdou de seu antecessor. Vou mais longe ainda; sabemos que uma parte relevante do sucesso dos anos Lula na economia resultou de ajustes conjunturais importantes em função do aumento da confiança dos agentes econômicos, depois que ficou clara a decisão do governo do PT de respeitar marcos da política macro econômica do governo FHC. O aparecimento da China, como economia complementar à do Brasil, consolidou o cenário de entusiasmo e confiança na economia brasileira que se estabeleceu. As principais forças de aceleração do crescimento em função desses ajustes conjunturais e de expectativas foram, ao longo de tempo, as seguintes:
– queda rápida da inflação em função principalmente da valorização do real no mercado de câmbio;
– a acomodação da inflação permitiu a redução acelerada dos juros pelo Banco Central;
– a política de aumentos reais do salário mínimo, que em um ambiente de redução da inflação levou a um crescimento expressivo dos salários reais;
– em um ambiente de maior confiança, o sistema bancário passou a expandir de forma agressiva o crédito que, em poucos anos, passou de 22% do PIB para mais de 45% em 2010;
– com os salários reais crescendo e uma maior disponibilidade de crédito, viveu-se um período de expansão no comércio, com taxas de crescimento anuais superiores a 18% ao ano nas regiões mais pobres do Brasil;
– a resposta do setor privado a esse cenário de crescimento do consumo foi uma expansão importante dos investimentos para capturar essa nova dimensão do consumo das famílias no Brasil;
– finalmente, a partir de 2006, o aumento das importações de produtos industriais funcionou como uma fonte adicional de oferta de produtos em um momento de excitação da demanda evitando que um aumento da inflação interrompesse a política de queda de juros do BC.
É preciso citar ainda que, nesse período, o aumento das importações não chegou a afetar as vendas da indústria brasileira seja porque havia demanda para todos, seja porque as cadeias de importação ainda estavam sendo montadas;
Em resumo, o choque de otimismo criado a partir de 2004 permitiu que ocupássemos, ao longo dos anos seguintes, espaços ociosos que existiam em nossa estrutura produtiva – e uso aqui seu conceito mais abrangente – sem a necessidade de novos investimentos. Prevaleceu então, por vários anos, a doce ilusão de que poderíamos crescer a taxas mais elevadas simplesmente surfando indefinidamente a onda da continuidade da política econômica de Lula.
Mas nos dois últimos anos – principalmente agora em 2012 – ocorreu um choque de realidade para a sociedade e, principalmente, para o governo da presidente Dilma. A política de estimular o consumo via medidas pontuais, seja na área do crédito público e via isenções fiscais em mercados de consumo não consegue mais manter as taxas de crescimento do passado à medida que as forças de ajustes conjunturais dos anos Lula se esgotam. Mais do que isso, algumas delas inverteram o sinal e passaram a funcionar como limitadores de crescimento. É o caso, por exemplo, das taxas muito baixas de desemprego e do nível de endividamento elevado de alguns segmentos sociais.
Para se encontrar novamente o caminho de um crescimento econômico mais forte será necessário eleger o aumento da oferta de bens e serviços, principalmente via mobilização de investimentos maciços em setores da infra estrutura econômica, como nova prioridade do governo. Mas só essa mudança de prioridades – investimentos versus consumo – não basta. O amadurecimento e fortalecimento da economia brasileira ao longo dos últimos anos, principalmente nas relações com o exterior, revelaram uma série de problemas estruturais graves no sistema produtivo do país.
Mascarados por várias décadas, em função principalmente do isolamento que vivemos em relação à competição externa, eles hoje estão escancarados e à vista de todos. A partir de 2003, com uma moeda fortalecida em função de nossas contas externas e com a expansão da demanda interna, as importações crescentes revelaram o absurdo da nossa estrutura de custos de produção. Um sistema tributário caótico, impostos e taxas que oneram de forma irracional os custos de uma cesta importante de insumos de produção e uma logística ineficiente e cara fazem com que os custos de produção no Brasil sejam um ponto fora da curva no universo das nações emergentes.
Felizmente o governo federal vem emitindo sinais claros de que está tomando consciência da encruzilhada em que se encontra a economia brasileira. Pelo menos dois itens de uma nova agenda de ações estão sendo considerados seriamente: a necessidade de se aprofundar e tornar mais eficiente o programa de concessões de serviços públicos e uma política de redução dos custos de produção, começando pela indústria manufatureira.
Mas só essa mudança de sinal na ação do governo não será suficiente. Uma nova agenda que enfrente os desafios que temos daqui para frente terá que ser muito mais ambiciosa e de difícil venda dentro do PT em função de uma teia de interesses corporativos. Mas como dizem os chineses, uma marcha de 50 km começa necessariamente com o primeiro passo. E este já está sendo dado pela presidente Dilma.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.