Há muitas dúvidas e poucos consensos sobre o futuro das negociações para o acordo de livre comércio entre Estados Unidos e União Europeia, anunciado há poucos dias pelo presidente Barack Obama e pelo presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso.
Além do evidente otimismo nas estimativas de ganhos previstos com a realização do acordo, o certo é que a negociação não será fácil, e a meta de ter um tratado até 2015 é heroica, apesar do entusiasmo de líderes nos EUA e Europa – sujeito, ainda, ao teste dos respectivos Congressos.
Entre os consensos: será, se realizado, o maior acordo de livre comércio mundial, com economias que representam metade do PIB global e 30% do comércio internacional; capaz de facilitar em muito a operação das empresas nos dois blocos, aumentar exportações e gerar empregos, de lado a lado. Outro consenso, do qual compartilham autoridades do Itamaraty: é uma forma, também, de pressionar países emergentes, como China e Índia, a ter maior engajamento nas negociações para liberalização comercial.
Nesse ponto, diz um experimentado negociador brasileiro, pode servir até de impulso para as arrastadas negociações da Rodada Doha, de liberalização comercial na Organização Mundial do Comércio (OMC), que, aliás, passaram a dar prioridade a medidas de facilitação de comércio, ponto central das recém-lançadas conversas entre europeus e americanos.
No Brasil, uma reação generalizada e quase automática é comparar a ambição do acordo comercial impulsionado por Obama à desnutrida lista de tratados de livre comércio exibida pelo país. É natural o temor de perda de mercados, com as eventuais facilidades no comércio entre EUA e europeus. Mas mesmo os defensores mais animados do acordo lembram o já modesto nível das tarifas comerciais americanas e europeias, para prever que não haverá muito a caminhar por esse lado.
A OMC atribui aos EUA uma média 4,7% nas tarifas e importação; a Comissão Europeia fala em menos de 3% em ambos os parceiros e há análises de especialistas que falam em 3,5% em média nos EUA e 5% na Europa.
É certo que a média encobre uma grande variação, com um número pequeno de mercadorias importantes, como têxteis, calçados e certos produtos agrícolas sujeitos a picos tarifários acima de 30% e até 100% nos EUA. O mesmo se passa na Europa, especialmente com produtos agrícolas.
Estaria nesses picos tarifários a maior margem de ganho num eventual acordo de livre comércio – mas, na prática, como demonstram os acordos já assinados pelos EUA com Colômbia e Coreia, esses produtos entram na categoria de “sensíveis” e a redução de tarifa é limitada a uma cota (é de se notar que a valorização do câmbio gerada na Colômbia após o acordo anulou vantagens tarifárias obtidas pelos colombianos).
Se as negociações com os americanos andarem mais rápido que com o Mercosul, os europeus podem ocupar cotas cobiçadas pelo Brasil e seus sócios com produtos “made in USA”, como carnes. Muitas das exportações agropecuárias dos EUA enfrentam, porém, outro tipo de barreira, a regulatória, como o veto a organismos geneticamente modificados e de carne com hormônios. Os EUA, por sua vez, alegando a doença da vaca louca, vetam a carne in natura europeia; e por razões fitossanitárias, barram produtos vegetais, alguns há mais de 20 anos.
Segundo a página da Comissão Europeia sobre as negociações com os EUA, “dadas as baixas tarifas médias de importação (abaixo de 3%), a chave para destravar esse potencial [de comércio] está em cuidar das barreiras não tarifárias, principalmente procedimentos de alfândega e regras internas restritivas” (ver página www.is.gd/BrSMTp).
A verdade é que a avaliação que o futuro acordo de livre comércio poderá gerar pelo menos 0,5% de aumento do PIB para as partes envolvidas pressupõe que todas as tarifas e barreiras à livre circulação de mercadorias seriam eliminadas, cenário inexistente mesmo nos prognósticos mais otimistas sobre a negociação.
Isso não impediu que, em reunião com a presidente Dilma Rousseff, em janeiro, Durão Barroso e o presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, comunicassem, animados, a iminência do anúncio com os EUA, para mostrar que, ao contrário do que defende o governo brasileiro, não estaria na Europa a maior resistência a abertura comercial. Dilma registrou o entusiasmo dos dirigentes europeus.
Mas a Comissão Europeia é, por força do ofício, mais liberalizante que o conjunto dos 27 Estados-membros da UE, que, na correta avaliação do governo brasileiro, não aceitariam, por exemplo, baixar em uma negociação limitada aos EUA os subsídios aos produtores agrícolas locais, que distorcem as condições de competição no comércio.
Nesse caso, é um pecado comum: na última revisão periódica da política comercial dos EUA na OMC, o delegado europeu, Angelos Pangratis, criticou a incapacidade americana de cortar subsídios danosos às regras de mercado, mantidos na sua Lei Agrícola.
A crítica à burocracia aduaneira, que impõe custos adicionais às importações, também foi, como de hábito, tema da revisão das políticas comerciais dos EUA, feita em dezembro e registrada no site da OMC (www.is.gd/iCrV2u). Se o acordo UE-EUA resultar em privilégios no desembaraço de mercadorias para os produtos europeus, como criação de “canais verdes” para liberação nas alfândegas, o Brasil pode ter ameaçada sua competitividade. Se, porém, levar à revisão dessas práticas, o Brasil – como o resto do mundo – sairá ganhando.
Já os líderes republicanos e democratas mais próximos ao tema nos EUA, ao apoiarem o acordo, exigiram que ele inclua a difícil remoção de barreiras a hormônios e transgênicos, e de outros tópicos entranhados nas regulações europeias.
Abundante em obstáculos, o acordo EUA-UE tem mais chances de se tornar uma plataforma para novas regras em áreas além do comércio, como serviços, investimentos, propriedade intelectual. Mas também aí há nuances. Serão tema de uma próxima coluna.
Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras
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