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Economia

O Brasil no novo contexto global

A economia brasileira demora a voltar a crescer com mais força. O governo tem adotado novas medidas de estímulo. Vai dar certo? Se "dar certo" significa que a economia deve tornar a crescer mais do que o indicado pelo último número do PIB, a resposta é sim.

O Brasil no novo contexto global

A economia brasileira está demorando a voltar a crescer mais forte. O cenário global não é favorável, os custos no Brasil encontram-se muito altos e os planos de investimento aguardam uma retomada mais consistente. O governo tem adotado novas medidas de estímulo. Vai dar certo?

Se “dar certo” significa que a economia deve tornar a crescer mais do que indicado pelo último número do Produto Interno bruto (PIB) – crescimento de 0,4% sobre trimestre anterior -, a resposta é sim. Componentes cíclicos e conjunturais – reversão do ciclo de estoques, estímulos monetários e fiscais e estabilização da desaceleração mundial – vão contribuir para a economia retomar o crescimento em algum momento no futuro próximo. Mais difícil é saber se o Brasil consegue crescer a uma taxa maior de forma sustentável – no médio prazo, digamos até 2020.

O contexto internacional mudou, e o que era um estímulo global ao crescimento dos países virou uma restrição.

A virada ocorreu com a crise financeira, iniciada com o estouro da bolha no setor imobiliário dos EUA – em particular no mercado subprime -, rapidamente atingiu o setor bancário e culminou com a quebra do Lehman Brothers em setembro de 2008, que afetou a economia global.

Após um período de retomada e otimismo, fruto das ações dos governos e, principalmente, de seus bancos centrais, surgiram problemas nas regiões mais frágeis da economia global. Os países periféricos europeus passaram a apresentar problemas em função de um longo período de crédito farto e barato após a adoção do euro. A política fiscal expansionista ao longo da década (e também na reação à crise) cobrou seu preço: vários países, como Grécia, Portugal, Irlanda e Espanha tiveram significativo aumento do déficit público, gerando dúvidas com relação à sustentabilidade de suas dívidas e dificultando o acesso aos mercados. Ações de bancos dos países periféricos caíram, sinalizando que a saúde do setor estava debilitada, e famílias e empresas passaram a retirar seus depósitos bancários em alguns países.

Com passos lentos, oscilantes e irregulares, as autoridades europeias tomaram uma série de medidas que, embora necessárias para evitar um colapso na região, ainda não solucionaram o problema. O Banco Central Europeu (BCE) tem sido chave para evitar o colapso, adquirindo títulos públicos problemáticos no mercado secundário, e disponibilizou liquidez barata. Recentemente, comprometeu-se a intervir ainda mais.

Apesar de todo esse esforço, os países da zona do euro têm dificuldade para crescer. A dinâmica da dívida (como proporção do PIB) piora não só por causa déficit público, mas também pela redução do crescimento. Os balanços dos bancos e empresas pioram com a perda das receitas e aumento da inadimplência. O desemprego elevado gera instabilidade social e política.

A Europa terminará em desastre, com o fim da zona do euro? Acreditamos que o euro continuará existindo, mas talvez sem a exata composição atual (com a saída da Grécia, por exemplo). Nesse cenário, a Europa irá, aos trancos e barrancos, avançar nas questões-chave – ajustes fiscais, reformas estruturais e instituições que contemplem maior integração fiscal e regulatória no euro. Esses avanços são lentos, e enquanto as medidas são adotadas, o BCE irá adquirindo boa parte das dívidas dos periféricos para evitar uma quebra na região, realizando efetivamente um enorme estímulo quantitativo, o “quantitative easing” (QE). Delineia-se um período longo de ajuste com crescimento baixo.

Nos EUA, não esperamos uma volta à recessão, nem uma recuperação forte, a exemplo da Europa. A agressiva expansão monetária adotada pelo banco central americano (Fed) logrou evitar uma deflação, que poderia tornar a saída da crise mais complicada (da mesma forma que a inflação elevada reduz o valor real das dívidas, a deflação dificulta o processo de desalavancagem). O desemprego continua elevado, mas nada comparável ao que se seguiu à crise de 1929. O déficit público precisa ser reduzido, mas não existem dúvidas sobre a capacidade de o governo honrar suas dívidas.

O setor privado avançou bastante nos necessários ajustes para retomar o crescimento no longo prazo de forma sustentável. Os balanços de bancos e empresas estão relativamente saudáveis, as famílias elevaram a taxa de poupança e vêm pagando suas dívidas. Os preços dos imóveis estabilizaram-se, o estoque de imóveis à venda reduziu-se e a demanda começa a dar sinais de vida.

O problema é que boa parte do ajuste do setor privado deu-se à custa do setor público. O estoque da dívida pública aumentou, o déficit público aumentou e o balanço do Fed elevou-se de forma significativa. Esse ajuste – o do setor público – ainda está por ser feito, e existem incertezas no processo (por exemplo: será o Fed capaz de reduzir o seu balanço quando as condições financeiras se normalizarem por completo? O risco é de uma inflação mais elevada no futuro longínquo).

As perspectivas são de crescimento moderado: por um lado, o necessário ajuste fiscal dificulta a volta no crescimento, por outro lado, em algum momento, o setor de construção, atualmente estagnado, poderá voltar à normalidade, trazendo estímulos à economia.

Em geral, as condições estruturais para o crescimento de longo prazo não são favoráveis nos EUA e na Europa. Em primeiro lugar, as condições demográficas tendem a piorar. Nos EUA, o crescimento da mão de obra se reduzirá frente ao período recente. Na Europa, a situação é ainda pior: o envelhecimento da população e a dinâmica migratória devem reduzir a população em idade ativa. Em segundo lugar, a taxa de crescimento do estoque de capital será menor. Para manter o crescimento do estoque de capital nos níveis pré-crise, os Estados Unidos necessitariam de elevado déficit em conta corrente, dada a baixa poupança doméstica, o que parece implausível.
 
A China também enfrenta desafios. O modelo voltado para investimento e exportação dá sinais de esgotamento desde a crise de 2008, e há necessidade de elevar o consumo interno. Essa transição não é trivial, pois um número de reformas institucionais deve ser implementado. A elevação do consumo passa por uma redução da poupança das famílias, o que por sua vez requer maior cobertura previdenciária, maior oferta de serviços públicos (saúde e educação), políticas de elevação do salário real e algum grau de liberalização do sistema financeiro local. A contrapartida da adoção desses ajustes é um aumento dos custos de produção, diminuindo a competitividade do país em bens transacionáveis.

Adicionalmente, o governo chinês tem demonstrado uma opção por um crescimento moderado. A adoção de políticas anticíclicas durante a crise do Lehman gerou desequilíbrios. A participação dos investimentos no PIB, que já era elevada, subiu até chegar a quase 50%. A dívida dos governos locais aumentou bastante, e pairam dúvidas quanto ao pagamento dos empréstimos bancários que financiaram essa expansão. O setor imobiliário deu mostras de superaquecimento, levando o governo a tomar medidas para frear a expansão do setor desde o início de 2011. Perante os desafios domésticos (transição para um modelo de crescimento baseado no consumo) e externos (continuidade da crise externa), o governo chinês optou por um crescimento menor, porém sustentável no longo prazo. Não imaginamos a volta a um crescimento acelerado, de dois dígitos, nem tampouco uma crise que leve a uma parada brusca no crescimento.

Na China projetamos um crescimento mais baixo, porém sustentável, nos próximos anos. A transição para um modelo de crescimento baseado no consumo doméstico requer redução da participação dos investimentos no PIB. A demografia será menos favorável, com redução da população em idade ativa a partir de 2015. Por fim, a migração de trabalhadores do campo para a cidade continuará, mas cada vez mais para o setor de serviços, menos produtivo, do que para a indústria.

O mundo parece estar diante de um período longo de taxas baixas ou moderadas de crescimento. Economias em desenvolvimento não vão mais se beneficiar de um ambiente global estimulativo, a fase de crescimento acelerado baseado nas exportações chegou ao seu fim.

Em números, projetamos as seguintes taxas de crescimento para as regiões mais relevantes da economia global: ao longo da segunda metade da década, a zona do euro voltará a crescer de forma moderada, em torno de 1%. Os EUA terão crescimento médio um pouco acima de 2% na segunda metade da década, e a China verá seu crescimento encolher de cerca de 8% para perto de 6,5%, em 2020. E o Brasil?

O fim do período favorável da economia global tem gerado desafios à economia brasileira nessa transição para um novo regime.

O País sentiu o impacto da crise em 2008. Mas a recuperação não tardou a vir. Com a contribuição da forte retomada global, sob a égide da China, fortes estímulos governamentais levaram o crescimento para 7,5% em 2010 (de -0,3%, em 2009).

Nesse processo, houve alguns excessos nos planos de expansão e produção. Os salários subiram muito acima da produtividade. A inflação acelerou-se e ameaçou estourar o teto da meta. O governo reagiu ao aumento da inflação adotando uma política econômica contracionista.

Tais excessos, associados à deterioração do quadro externo e às medidas do governo para esfriar a economia, levaram a uma desaceleração da economia brasileira (o crescimento de 2011 caiu para 2,7%, continuando a cair até meados de 2012).
 
Para a frente, projetamos que a economia doméstica vai se recuperar no fim de 2012 e voltará a crescer (acima de 1,5%, em 2012, e acima de 4%, em 2013).

Estimamos crescimento médio entre 3,5% e 4% na segunda metade da década. Essa expectativa está baseada num conjunto de tendências para a economia brasileira que precisam se delinear mais claramente. Entre elas:

1) É necessário investir mais para continuar crescendo. Não será possível continuar crescendo apenas incorporando mão de obra à produção. Na última década o emprego esteve em alta seguida e as empresas enfrentaram escassez de mão de obra. O desemprego chegou a recorde de baixa. Agora há necessidade de acumular mais capital para manter esses empregos e crescer mais.

2) O aumento do investimento privado é essencial. As parcerias público-privadas e o anúncio recente de leilões de novas concessões na infraestrutura – rodovias, ferrovias, aeroportos, portos – são uma solução. Mas o setor privado vai precisar de retornos adequados para aumentar os investimentos.

3) Os custos de produção estão muito elevados e representam um verdadeiro gargalo. Há várias iniciativas para reduzir os custos. Está ficando claro que parte relevante da redução dos custos envolve, em certa medida, o governo abdicar de suas receitas. O pacote para reduzir o custo da energia no Brasil e as desonerações da folha de pagamentos são os mais recentes exemplos. Os investimentos da Petrobras vão precisar de preços dos combustíveis alinhados com o resto do mundo, o que pode exigir desonerações adicionais de imposto na gasolina e no diesel.

Essas medidas no final vão desembocar na redução da carga tributária, que hoje representa em torno de 35% do PIB e é muito elevada para um país em desenvolvimento. Parece a solução ideal. A redução da carga tributária tem tudo para reduzir os custos de produção e estimular o investimento privado, essencial para crescer mais no médio prazo.

Mas as contas do governo comportam uma queda mais significativa da receita? Sim, um gasto permanente menor de juros pode levar a um déficit nominal menor e permitir uma dinâmica da dívida mais favorável, abrindo espaço fiscal.

Não estamos entre os que creem na queda sustentável dos juros básicos da economia (Selic) por simples decisão do governo. Mas acreditamos na convergência dos juros para padrões internacionais no médio prazo no País, desde a conquista da estabilidade macroeconômica e a consequente queda do risco Brasil.

A tendência tem sido de queda dos juros, apesar de mais lenta que o desejado. Para a frente, o crescimento mais moderado dos gastos do governo e do crédito no País pode permitir uma queda mais sustentada da taxa de juros (evitando a volta dos juros aos dois dígitos, mesmo após a retomada da economia).

O elevado crescimento dos gastos públicos teve até hoje como contrapartida uma alta carga tributária, mas também juros mais altos. Se os gastos crescerem mais devagar (ou forem realocados para investimento), a consequente queda dos juros pode permitir uma carga tributária menor. A cada 1% de queda permanente na Selic, estimamos ser possível reduzir a carga tributária em 0,5% do PIB, sem piorar as contas públicas (déficit nominal).

Mas o espaço da queda de juros, se vier, deve ser utilizado para aumentar o investimento público ou para incentivar o investimento privado. A tentação de aumentar os gastos públicos ou incentivar o consumo privado (com deduções) pode tornar inviável a sustentabilidade da queda de juros, desequilibrar as contas públicas e acarretar o aumento da inflação.

As medidas recentes têm procurado incentivar o investimento por meio da redução de custos. Mas têm incluído também algum esforço para reduzir os preços no curto prazo e incentivar o consumo. O ideal é manter o foco no investimento e no crescimento sustentável no médio prazo, principalmente num mundo cujos ventos não serão favoráveis por algum tempo.

Ilan Goldfajn é economista-chefe do Itaú Unibanco e sócio do IBBA

Felipe Salles é economista sênior do Itaú Unibanco

Este é o último de uma série de artigos sobre a crise econômica atual e seus prováveis desdobramentos no mercado internacional e no Brasil, feitos por renomados economistas a pedido do Valor.