Fonte CEPEA

Carregando cotações...

Ver cotações

Economia

O convívio com déficits nas contas externas

O Brasil é hoje uma economia muito menos vulnerável, tanto do ponto de vista fiscal quanto das contas externas.

No primeiro semestre de 2008, quando se deu o auge do penúltimo ciclo de crescimento da economia brasileira, um grupo de economistas de corte “desenvolvimentista” assombrou o presidente Luiz Inácio Lula da Silva com previsões catastrofistas sobre a evolução das contas externas. Segundo eles, a continuar naquele ritmo, Lula entregaria o País “quebrado” ao sucessor em 2011 e, possivelmente, com a economia em recessão. O risco, disseram eles, era o presidente não fazer o sucessor.

A profecia, evidentemente, não se materializou. Naquele ano, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 5,14% e o País fechou o ano com déficit em transações correntes de US$ 28,1 bilhões, valor financiado, em grande medida, pelo ingresso de investimento estrangeiro direto (IED), que foi de US$ 24,6 bilhões. Em 2009, por causa da crise mundial, PIB (-0,19%) e déficit (US$ 24,3 bilhões) recuaram, mas o volume de IED foi robusto (US$ 36 bilhões).

Superada a crise, a economia brasileira voltou a crescer de forma acelerada, e os mesmos economistas tornam a alertar para o risco de crise nas contas externas. Aproveitando a oportunidade, empresários começam a exigir medidas para conter as importações e alguns analistas passam a defender, uma vez mais, mudanças no regime cambial.

O PIB deve avançar este ano a uma taxa superior a 7%, algo que não se via desde 1986. O déficit em conta corrente, segundo estimativa do Banco Central (BC), deve ir a quase US$ 50 bilhões. Já os ingressos de IED devem totalizar, também de acordo com o BC, US$ 38 bilhões. O descompasso entre déficit e IED será financiado, por exemplo, por investimentos de estrangeiros em papéis domésticos e ações – a previsão é que, por esse canal, entrem US$ 35 bilhões em 2010.

Debate ainda não assimilou a lógica do câmbio flutuante

Certos aspectos da nova realidade vivida pelo País não entram na avaliação de alguns analistas. Não se considera, por exemplo, o fato de o País conviver, há quase 12 anos, com um regime de câmbio flutuante. Por esse regime, desequilíbrios no balanço de pagamentos são corrigidos por meio da taxa de câmbio. Se num cenário de crescimento elevado (com aumento significativo e simultâneo do consumo do governo e das famílias e dos investimentos), o País alimentar dúvidas quanto ao financiamento das contas externas, haverá maior fluxo de saída do que de entrada de divisas e isso provocará desvalorização da moeda nacional, processo que, em última instância, tenderá a atenuar o desequilíbrio ao estimular as exportações e tornar as importações menos competitivas, além de reduzir a remessa de lucros e dividendos.

Nesse cenário, a questão relevante é saber se, num processo inevitável de ajuste da conta corrente, o BC precisará atuar de forma violenta – aumentando a taxa de juros para desacelerar a atividade e controlar a inflação decorrente da desvalorização da moeda -, de forma a interromper o ciclo de crescimento. O grupo de economistas que esteve com Lula em 2008 sustenta que, dado o modelo de política econômica vigente no País, o resultado do ajuste será recessivo.

Ignoram-se, nessa avaliação, mudanças importantes ocorridas nos últimos anos na composição do passivo externo do País. Hoje, há um peso menor nesse passivo das obrigações denominadas em moeda estrangeira (por exemplo, pagamento de juros sobre a dívida externa). Em 2002, quando sucedeu o penúltimo e difícil ajuste da conta corrente, empréstimos e créditos de fornecedores representavam 16,2% do total do passivo externo. Em junho deste ano, respondiam por 6,7% do total. A dívida de brasileiros com o exterior, por sua vez, equivalia a 21,3% do passivo em 2002. Agora, a apenas 4,8%.

Na atual composição do passivo externo, como bem chama a atenção o economista-chefe do banco Credit Suisse, Nilson Teixeira, é maior o peso de despesas vinculadas ao desempenho da atividade econômica e de gastos definidos em moeda doméstica, como os investimentos em ações e as remessas de lucros e dividendos. Isto significa que o resultado em transações correntes é hoje mais sensível à evolução do PIB e à taxa de câmbio do que foi no passado. Sendo assim, num cenário de interrupção abrupta dos fluxos financeiros para o Brasil, um eventual ajuste na conta corrente demandará uma contração menor da economia.

Economistas como Teixeira e Ilan Goldfajn, este do Itaú Unibanco, acreditam que, no ritmo atual de crescimento do PIB, o déficit em transações correntes poderá atingir até 5% do PIB nos próximos quatro ou cinco anos – o dobro do previsto para 2010. Eles acreditam que esse montante poderá ser financiado sem sobressaltos, desde que não haja risco de insolvência fiscal – o que neste momento parece descartado, uma vez que o próximo governo, seja qual for, deve interromper a escalada de gastos públicos promovida pela gestão Lula nos últimos anos.

O Brasil é hoje uma economia muito menos vulnerável, tanto do ponto de vista fiscal quanto das contas externas. Essa realidade, apesar da memória dos desastres passados, e eles foram muitos, precisa ser incorporada às análises sobre as perspectivas do País no médio e longo prazos. Não se trata de afirmar que o País é hoje imune a crises, mas, sim, que não deve ser analisado com olhos de 30 anos atrás.