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O fator Moscou

Produtores de carne suína disputam cotas do mercado russo para vender cortes especiais, mais valorizados, e evitar a superoferta no mercado interno.

Redação SI 06/09/2004 – A suinocultura emergiu recentemente de sua pior crise. A produção nacional passou por ajustes e vem sendo programada desde o segundo semestre do ano passado, com o objetivo de reduzir a oferta e melhorar os preços. Além disso, para alívio dos produtores, os preços do milho se acomodaram, e o consumo interno tende a crescer. Para completar a fase de bonança, o bom desempenho das vendas externas ajuda a manter a estabilidade da cadeia.

Nos primeiros sete meses do ano as exportações cresceram 30% em valor, graças aos bons preços e a um investimento da indústria em cortes especiais. Em volume, as vendas no período ficaram praticamente estáveis. A reviravolta se deu em razão de uma curiosa conjunção de mercado: a redução das compras da Rússia no Brasil, que originou a crise do setor, começa a exibir uma face positiva.

Valor

No longo prazo, o reflexo da adoção de cotas por parte da Rússia, em abril de 2003, foi a valorização da carne suína brasileira, que acumulou ganhos de 34% no primeiro semestre deste ano, atingindo um preço médio de 1.400 dólares por tonelada. “Para agregar valor às cotas, o importador russo está optando por cortes, que têm maior valor agregado que a carcaça”, diz Pedro Benur Bohrer, presidente da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne suína (Abipecs). Por este motivo, as vendas brasileiras de carcaça para o mercado russo registraram queda de 33% no primeiro semestre de 2004 sobre igual desempenho de 2003, enquanto as compras de cortes cresceram 16,5%.

A dança das exportações
Vendas externas brasileiras de carne suína
Mil toneladas
1994 32,3
1997 63,8
2000 127,8
2003 491,4
2004 375*
US$ Milhões
1994 57,7
1997 14,8
2000 171,8
2003 546,5
2004 517,5*
Preço médio (em US$ mil/t)
1994 1,78
1997 2,32
2000 1,34
2003 1,11
2004 1,78*
* PREVISÃO FONTE: ABIPECS

O abastecimento do mercado russo continua sendo de grande interesse para o Brasil, uma vez que o país é o maior comprador da carne suína brasileira, detendo 11% das compras em 2003. Mas na recente divisão de cotas, realizada em janeiro deste ano, quando a Rússia regionalizou o sistema, o Brasil foi preterido. Entre abril de 2003 e janeiro de 2004 a cota de 450 mil toneladas era livre, e podia ser abastecida por qualquer exportador. A partir de janeiro, as regiões exportadoras foram preestabelecidas, e o Brasil abocanhou apenas uma parcela das 179,5 mil toneladas destinadas ao mercado exportador em geral. Outras 227,3 mil toneladas foram destinadas à Europa, 42,2 mil toneladas dirigidas ao mercado norte-americano e mil toneladas ao Paraguai.

A despeito das cotas, o Brasil ainda mantém a esperança de elevar as vendas para o mercado russo no segundo semestre do ano. Isso porque com o registro de gripe aviária na Ásia e de vaca louca nos Estados Unidos, ambos incidentes ocorridos no final do ano passado, o Japão está consumindo mais carne suína do que em anos anteriores. “Os Estados Unidos e a Europa estão dando preferência ao mercado japonês em vez de venderem para Rússia”, diz Bohrer. Com isso, é possível que as cotas, inicialmente destinadas à Europa e aos Estados Unidos, possam ser transferidas para o Brasil. “Isso já está acontecendo. Vários importadores russos estão solicitando a transferência de cotas da Europa para o Brasil”, diz Antônio Carlos Shimabuku, gerente de exportação da Aurora Alimentos, empresa que abate 220 mil cabeças de suínos por mês e produz 22 mil toneladas mensais de carne suína.

Leilão

O volume total das vendas brasileiras de suínos no mercado externo em 2004 vai depender da confirmação desta tendência no segundo semestre. Enquanto espera, o Brasil se prepara para disputar um leilão de 10% da cota de importação, no volume de 45 mil toneladas, que a Rússia fará no final de setembro. “Como não estamos autorizados a vender carne suína para o Japão queremos disputar uma fatia maior na Rússia”, diz o presidente da Abipecs. De qualquer maneira, Bohrer acredita ser pouco provável que o volume de vendas de 313 mil toneladas embarcado em 2003 para este mercado se repita. No mês de agosto as vendas para a Rússia devem se manter nos mesmos patamares de julho, ou seja, algo próximo de 26 mil toneladas.

Apesar do protecionismo do mercado mundial, as vendas brasileiras de suínos nos primeiros sete meses do ano superaram as expectativas do setor, atingindo 367 milhões de dólares. No caso da Aurora Alimentos as vendas cresceram 20%, para 32 mil toneladas, metade do volume referente às vendas de cortes como pernil, lombo e paleta. “Até o final do ano devemos iniciar as exportações de embutidos”, informa José Zeferino Pedrozo, presidente da Aurora. A Frimesa – Cooperativa Central Agropecuária Sudoeste, também está ampliando as vendas no mercado externo.

“Nossas exportações respondem atualmente por 20% do faturamento da área de carnes. A meta é colocá-las em torno de 40% já no próximo ano”, diz Elias José Zytek, diretor executivo da companhia, que abate atualmente 1.500 suínos por dia. Na avaliação do executivo, o momento é excelente para o Brasil abrir novos mercados, “uma vez que a produção da Europa está estagnada e o abastecimento dos países importadores está mudando de mãos”, diz.

Em busca do equilíbrio
Produção, exportação e consumo interno de carne suína (em mil toneladas)
2003
Produção 2697
Consumo 2207
Exportação 493
2004
Produção 2500
Consumo 2125
Exportação 375
2005
Produção 2625
Consumo 2225
Exportação 400
* ESTIMATIVAS FONTE: ABIPECS

De fato, um levantamento realizado pelo Departamento de Agricultura dos Estados Unidos aponta que a produção da Europa, segundo maior produtor mundial, deve se manter nos mesmos patamares de 2003, entre 16.950 e 17 mil toneladas. A China, maior produtor mundial, e os Estados Unidos, terceiro maior, devem registrar crescimento respectivo de 1,9% e 0,3%. “Apesar da queda de produção prevista para 2004, o Brasil é o único país com condições de atender a demanda da Rússia, uma vez que há excedente de oferta. Na Europa, Estados Unidos e China o aumento de consumo está absorvendo toda a oferta de carne”, diz Shimabuku, da Aurora.

Maiores fornecedores mundiais
A fatia de cada um no mercado internacional
Canadá 25%
China 24%
União Européia 13%
Brasil 12%
EUA 7%
Outros 19%
FONTE: USDA/ABIPECS

No ano passado o Brasil exportou 491 mil toneladas de suínos, sendo 134 mil em carcaça e 357 mil em cortes. A receita cambial foi de 546 milhões de dólares, um aumento de 13,5% sobre o desempenho de 2002. Para este ano, a estimativa é de que as vendas sejam menor em volume, situando-se entre 330 mil e 350 mil toneladas, mas com receita que pode beirar os 500 milhões de dólares, em razão do aumento do preço médio praticado no mercado externo.

Apostando no crescimento deste mercado, a Frimesa está investindo 20 milhões de dólares na construção de um novo abatedouro na região oeste do Paraná. “A nova estrutura colocará nosso abate em seis mil cabeças/dia”, diz Zytek. A aposta do executivo é no aumento do consumo na União Européia, que acaba de incorporar dez novos membros. “Em pouco tempo a Europa passará a ser importadora de carne suína”, estima. Além disso, na avaliação do executivo, o perfil da produção brasileira começa a mudar: “Só ficarão no mercado as grandes empresas, com capacidade de produzir em escala”, diz.

Ano de porcos gordos
Remuneração dos produtores aumentou 160% de 2002 para cá

Oswaldo Maricato

O bom desempenho das vendas externas do Brasil se reflete diretamente no mercado interno. Nos últimos 90 dias os preços pagos ao produtor alcançaram patamares recordes na história do setor, superando os 2,60 reais por quilo do animal vivo nos três maiores produtores de suínos do Brasil – Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. No Rio Grande do Sul, inclusive, o suíno chegou a atingir os 2,93 reais por quilo. “É uma situação bastante confortável para o produtor. Foi um longo trabalho de reajuste da produção interna para que pudéssemos alcançar essa remuneração”, diz José Adão Braun, presidente da Associação Brasileira de Criadores de Suínos (ABCS).
Os valores superam em 160% os preços praticados em 2002, quando o mercado interno se viu sobreofertado em razão da redução das compras por parte da Rússia, maior importador do Brasil. Após um período de turbulência, que se estendeu por todo o ano de 2002 e meados de 2003, o setor, finalmente vive momentos de estabilidade. “As exportações são crescentes, a produção interna é decrescente e a safra de milho, principal insumo da ração animal, está estável”, diz Braun. Além disso, as perspectivas indicam que o consumo interno deve reagir este ano. A ABCS prevê um aumento de 7,2% no consumo per capita, para 13,4 quilos em 2004. Mais de 70% deste volume se refere à venda de embutidos. “Essa situação está mudando, uma vez que várias indústrias estão desenvolvendo novos cortes de carne in natura, de valor menor que o embutido”, diz. Ao longo do segundo semestre de 2004 o consumo interno deve permanecer aquecido, impulsionado pelas festas de fim de ano. “Se o produtor conseguir manter este padrão de renda, o Brasil pode se tornar um dos grandes produtores mundiais de suínos”, estima. Mas o vaivém do setor pode ser mais uma vez pernicioso para os produtores. Os bons preços tendem a atrair mais gente para a atividade, e alguns analistas já prevêem uma superoferta no ano que vem. Ou seja, uma nova crise de preços pode estar se desenhando.