A rapidez com que o Brasil e outros países emergentes superaram a fase mais brutal da crise internacional reabriu o debate sobre a capacidade que eles terão de continuar crescendo daqui para frente se os Estados Unidos e outras economias avançadas continuarem com dificuldades para se levantar dos escombros da recessão.
A maioria dos economistas se dividiu em dois campos. A visão dominante no Fundo Monetário Internacional (FMI) é que os países emergentes precisam ajustar suas políticas domésticas às transformações sofridas pela economia mundial, se quiserem continuar crescendo aceleradamente, deixando de lado o modelo exportador que impulsionou seu avanço nos últimos anos e estimulando o consumo interno.
No mercado financeiro, prevalece uma avaliação diferente. Os economistas dos bancos acham que o sucesso de países emergentes como o Brasil tem mais a ver com a manutenção de bons fundamentos macroeconômicos do que com os resultados da balança comercial e que, portanto, eles se adaptarão facilmente às mudanças provocadas pela crise, se mantiverem políticas econômicas prudentes.
As duas visões refletem interesses distintos. O FMI acha que sua principal missão agora é reorganizar a economia mundial e seus economistas acreditam que o acúmulo de gigantescos superávits comerciais pelos países em desenvolvimento é um desequilíbrio a ser corrigido, se o mundo quiser evitar a repetição de crises como a atual.
Os bancos estão de olho nas oportunidades lucrativas geradas pela superação da crise. Com os juros nos EUA e em outros países avançados perto de zero, os investidores voltaram a apostar alto nas bolsas de valores de São Paulo, Xangai e Mumbai. Eles não querem saber de mudanças de política econômica, porque elas poderiam ameaçar a lucratividade dos seus investimentos.
Um relatório que acaba de ser publicado por um grupo de notáveis oferece um meio-termo. Produzido pela Comissão de Crescimento e Desenvolvimento, que reúne especialistas de vários países sob a liderança do economista Michael Spence, vencedor do Prêmio Nobel de 2001, o documento reconhece que o mundo mudou bastante, mas rejeita a ideia de que os países emergentes deveriam renunciar a políticas que asseguraram seu êxito até aqui.
Ninguém deve esperar que o modelo exportador volte tão cedo a produzir resultados vistosos como os observados antes da crise, quando o crédito farto e barato estimulava o consumo nos países desenvolvidos. Mas a promoção de indústrias exportadoras traz diversos outros benefícios para os países em desenvolvimento e eles não deveriam abrir mão deles, diz o relatório da comissão de Spence.
Como observa o grupo, políticas de estímulo às exportações ajudam as indústrias domésticas a dominar novas tecnologias e ganhar a escala necessária para explorá-las, e por isso deveriam ser mantidas mesmo diante da retração sofrida pela demanda internacional. “Os países crescem ao promover essas atividades, não ao promover superávits comerciais”, afirma o relatório.
Os países emergentes também deveriam manter portas abertas aos investidores estrangeiros, na avaliação do grupo. A crise e as reformas financeiras em discussão nos países avançados tendem a aumentar o custo do capital em toda parte, mas países em desenvolvimento, que saíram da crise exibindo boa saúde, continuarão atraindo investimentos se mantiverem políticas bem comportadas.
“Antes da crise, as economias emergentes tinham que competir pelo capital externo com produtos financeiros sofisticados que prometiam retorno sem risco”, diz o relatório. “Esses produtos agora estão desacreditados. Como resultado, os investidores poderão olhar com mais boa vontade para as economias emergentes, onde os riscos são bem conhecidos e bem recompensados.”
Os fluxos de capital especulativo que voltaram a inundar o Brasil e outros mercados emergentes nos últimos meses têm gerado pressões sobre o câmbio, contribuindo para que as moedas desses países se valorizem em relação ao dólar e reduzindo a capacidade que muitas indústrias domésticas têm de competir no mercado internacional.
Mas o fortalecimento das moedas locais também pode ser benéfico para as economias emergentes na conjuntura atual. Como o economista-chefe do HSBC, Stephen King, lembrou num relatório recente, a valorização cambial pode ajudar esses países a se adaptar ao novo cenário econômico externo, estimulando o consumo doméstico e ajudando a conter pressões inflacionárias.
Nada disso significa que o caminho à frente será menos acidentado. Ninguém sabe por quanto tempo os emergentes conseguirão sustentar taxas elevadas de crescimento se os países ricos não se recuperarem e fontes de demanda mais permanentes não substituírem alavancas provisórias, como os pacotes de estímulo fiscal lançados para combater a crise.
O desarranjo nas contas do governo americano e a explosão do endividamento dos EUA são outra fonte de angústia. Se os investidores perderem a confiança no dólar e os americanos tiverem que aumentar os juros para continuar financiando sua economia, o resto do mundo vai sofrer. Mas a superação da crise fez bem à reputação de países emergentes como o Brasil e tudo indica que eles continuarão sendo vistos com otimismo pelos investidores por um bom tempo.