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O futuro incerto das economias carbonizadas

As emissões globais de gases de efeito estufa aumentaram em dois terços desde que as negociações internacionais sobre as mudanças climáticas começaram

O futuro incerto das economias carbonizadas

As emissões globais de gases de efeito estufa aumentaram em dois terços desde que as negociações internacionais sobre as mudanças climáticas começaram, há três décadas.  De acordo com o Painel Intergovernamental das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, limitar o aquecimento global à prudente marca de 1,5°C exigirá o corte das emissões de dióxido de carbono – relativos aos valores de 2010 – em 45% até 2030, e 100% até 2050.  Um enorme desafio que se aplica a todos coletivamente – países, empresas e indivíduos, que precisarão se unir em torno de uma agenda de descarbonização em praticamente todos os setores da sociedade – energia, agricultura, transporte, infraestutura, sistemas industriais, dentre outros.

Ao contrário de muitos outros problemas, como drogas, violência e pobreza, as mudanças climáticas tem alcançado crescente prioridade na agenda da sociedade, mobilizando pensamento estratégico e diplomacia para a tão necessária mudança de comportamento que leve à descarbonização da economia global. E a engenharia de sistemas de baixa emissão tem dado sinais animadores de progresso, na medida em que empresas, governos e consumidores estão cada vez mais dispostos a testar e implantar inovações. Avanços tecnológicos já são observados em setores como geração de eletricidade, agricultura, automóveis, edifícios, navegação, aviação e siderurgia, que juntos produzem cerca de 80% das emissões mundiais.

Embora os esforços diplomáticos e os acordos internacionais sejam muito importantes para apontar direções e buscar consensos em torno do complexo desafio de descarbonizar a economia global, é cada vez mais claro que mecanismos assessórios serão necessários para tornar mais célere o processo de mudança. O Acordo de Paris, principal compromisso mundial sobre as alterações climáticas, envolve quase duas centenas de países, cada um com suas próprias agendas e interesses, o que limita a capacidade da diplomacia para produzir mudanças na velocidade que a crise climática exige.  É por isso que tais acordos globais terão, cada vez mais, a função de definir referências e trajetórias possíveis, assumindo no aspecto operacional mais o papel de seguidores que de líderes.

A boa notícia é que líderes mais visionários tem conseguido canalizar a energia que emerge da crescente preocupação da sociedade com o tema para o desenvolvimento de inovações, de políticas públicas e de incentivos à descarbonização.  Um bom exemplo vem do setor automotivo, com o desenvolvimento de veículos elétricos, além de políticas e subsídios que  estimulam mais inovação – como baterias mais potentes e sustentáveis, abastecidas com energia de baixo impacto e ampla infraestrutura de recarga. Tais avanços estão ganhando força e extravasando de nichos mais capazes e motivados para uma difusão mais ampla.  Vários sinais já indicam que a centenária e carbonizada indústria automobilística está se preparando para a inevitável mudança.

O fato é que governos e empresas recalcitrantes e negacionistas das mudanças climáticas tem cada vez mais razões para rever sua rejeição à descarbonização. Líderes empresariais em todo o mundo estão aderindo ao conceito ESG (Environmental, Social and Corporate Governance) centrado no fortalecimento de práticas ambientais, sociais e de governança dos seus negócios, em resposta às expectativas de investidores cada vez mais exigentes em sustentabilidade. A premissa por trás do conceito ESG é que a riqueza tenderá a fluir na direção daqueles que estão dispostos a aderir a um novo mundo, que valoriza a sustentabilidade e o impacto social. É esperado que a crise climática e as metas globais de descarbonização tenham crescente impacto na definição das métricas ESG que passarão a aferir o desempenho de empresas, negócios e investimentos.

Outra preocupação para países que insistem em não tomar medidas para a redução das suas emissões é a decisão recente da União Europeia (UE) pela implementação de um “mecanismo de ajuste de carbono na fronteira”. Quando adotado, tal mecanismo dará aos países importadores condições de impor tarifas a empresas que se aproveitam de regulações ambientais frouxas nos seus países de origem. Após o anúncio da UE, o partido democrata nos Estados Unidos também propôs a criação de uma versão americana de imposto sobre as importações de carbono de países que carecem de políticas climáticas robustas. Canadá e Japão já sinalizam interesse em mecanismo semelhante. 

O Brasil tem razões de sobra para se preocupar com a conformação da agenda climática e das expectativas e metas de descarbonização em âmbito global. As temáticas relacionadas a desmatamento ilegal e à integridade de biomas sensíveis e críticos para toda a humanidade, como a Amazônia, colocam o país em grande evidência. Evidência que enseja intenso escrutínio sobre as questões ambientais brasileiras, nem sempre com narrativas e avaliações corretas e justas, o que exige de nós substancial esforço em inteligência estratégica e diplomacia. 

A perspectiva da consolidação de tributos sobre as importações de carbono, em diferentes países e mercados é clara indicação de que a política climática estará cada vez mais entrelaçada à política comercial, com repercussões certas para a agricultura e os sistemas alimentares no futuro. Razão por que o assunto demanda especial atenção, considerando a nossa posição de grande exportador agrícola, crescentemente pressionado a retomar uma agenda climática ousada.