O Brasil tem dificuldade para reconhecer empreendedores e modelos empresariais que deram certo. Temos dificuldade para listar dez nomes de empresários que foram revolucionários no seu tempo. Temos ainda maior dificuldade para valorizar arranjos produtivos que funcionam bem e podem servir de modelo para dezenas de países.
Um dos exemplos mais notáveis desse tipo de dificuldade ocorre no caso do modelo brasileiro de agricultura tropical que desenvolvemos nas últimas décadas. Um dos pilares desse modelo é razoavelmente conhecido – o desenvolvimento de tecnologias adaptadas às condições tropicais: as novas variedades aptas a latitudes mais setentrionais, o plantio direto (que teve extraordinário impacto conservacionista ao eliminar a aração dos solos), a introdução da segunda safra no mesmo ano agrícola sem irrigação, a integração lavoura-pecuária-floresta e outros.
O segundo pilar, bem menos conhecido, foi a corajosa migração de produtores com aptidão e conhecimento agrícola em busca de ganhos de escala para enfrentar as difíceis condições de produção nos cerrados. Pequenos agricultores do Sul e do Sudeste do País construíram cidades e estradas a milhares de quilômetros de sua terra natal. Inicialmente o desenvolvimento se deu em cima do binômio soja-boi. Com o tempo, a valorização das terras incentivou a intensificação e diversificação agrícola, com o crescimento da produção de milho, arroz, algodão, café, cana-de-açúcar e eucalipto. Na pecuária, vieram o leite, os suínos e as aves. Hoje são mais de dez atividades disputando o uso da terra, num dos modelos mais bem-sucedidos de produção de alimentos, rações, fibras, celulose e bioenergia do planeta.
Mas a maioria das pessoas não sabe que esse modelo de desenvolvimento se baseou em “ganhos de escala” absolutamente necessários e positivos.
Primeiro, porque o enfrentamento dos cerrados exige maior capacidade operacional para lidar com instabilidades climáticas, solos pobres e ácidos, enorme diversidade de pragas e doenças, acarretando maiores custos fixos e necessidade de escala.
Segundo, porque, ao contrário do que ocorreu nos EUA no começo do século passado, a infraestrutura de armazenagem e transporte não acompanhou a migração dos produtores brasileiros, obrigando-os a bancar suas próprias estruturas, o que também aumenta os custos fixos. A atual safra mostra claramente que a rentabilidade da agropecuária é dilapidada na mesma proporção em que aumenta a distância dos portos.
É incomparavelmente mais difícil plantar grãos nas condições dos cerrados de Mato Grosso e Mapitoba (Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia) do que no Meio-Oeste dos EUA ou na Bacia Parisiense. Já as culturas perenes – cana, laranja, café e eucalipto – são atividades que exigem imensa quantidade de capital e gestão primorosa, sob o risco de quebra no meio do caminho.
O fato é que nunca esteve tão claro que a escala de produção é um elemento fundamental para o sucesso da atividade agropecuária em condições tropicais. Esse tema já era visível no desenvolvimento de culturas perenes no Estado de São Paulo. Agora fica cada vez mais claro nos cerrados do Centro-Oeste e do Nordeste – no algodão, na soja, no milho e mesmo na pecuária. Os custos fixos são de fato elevados, mas com o aumento da escala o custo médio do produto final acaba se reduzindo, beneficiando os consumidores.
Grandes produtores competentes operam hoje com boa rentabilidade, gerando empregos de alta qualificação e conseguindo cumprir as exigências ambientais. Aliás, vale frisar que os custos de cumprimento das legislações ambiental e trabalhista (compliance) no País são altos e crescentes, forçando escalas cada vez maiores. Trata-se de desafios crescentes para a pequena escala enfrentar sem o apoio do Estado em atividades de baixa agregação de valor, como é caso das grandes commodities agrícolas.
Não estamos com isso afirmando que a agricultura de baixa escala está inexoravelmente condenada ao desaparecimento. Ela vai continuar sobrevivendo nas regiões que contam com melhores condições de logística e armazenagem, maior acesso a mercados e outros elementos que atenuam os pontos levantados. Os Estados do Sul são um bom exemplo, onde a pequena agricultura consegue sobreviver integrada a agroindústrias processadoras ou por meio de cooperativas que reduzem os problemas de comercialização e de acesso ao crédito.
Tampouco estamos dizendo que os ganhos de escala sejam infinitos. Apesar de eles serem cada vez mais evidentes, a ciência econômica nos ensina que empresas podem entrar em situações de “deseconomias de escala”. Na realidade, sabemos muito pouco sobre essa matéria e a questão da definição de “módulos ótimos” de operação ainda é um assunto em aberto, em face das diferentes realidades deste nosso país continental.
Mas não há dúvida de que o principal vetor de crescimento da agricultura do País tem sido a combinação de gestão e ganhos de escala, e que esse modelo cada vez mais nos distingue do restante do mundo, causando admiração em países em desenvolvimento e temor nos nossos concorrentes desenvolvidos. Quem visitou a Agrishow na semana passada, em Ribeirão Preto, sabe perfeitamente do que estamos falando. Não fossem os riscos regulatórios e de logística que vivemos, seríamos imbatíveis. Nosso maior inimigo somos nós mesmos!
Marcos Sawaya Jank
André S. M. Pessôa
Sócios Diretores da AGROCONSULT e do AGRO.ICONE (www.plataformaagro.com.br).