A crise financeira nos Estados Unidos e na zona do euro levou à ampla reflexão acerca das mudanças no sistema internacional. Enquanto centros tradicionais de poder enfrentavam dificuldades econômicas, o Brasil desfrutou de um forte crescimento, o que alterou o equilíbrio de forças e acarretou em uma busca por mais voz nas esferas de decisão. Esta reivindicação aproximou o governo brasileiro de outros países emergentes, especialmente Rússia, Índia, China e África do Sul (Brics), que apresentam objetivos semelhantes na reorganização dos mecanismos de governança global. Neste cenário, as tradicionais relações políticas e comerciais entre o Brasil e a União Europeia (UE) também passaram por transformações significativas, sendo essas fruto, em grande medida, de novas percepções sobre o papel da UE como ator global.
Atualmente, o Brasil tem se colocado como porta-voz dos países em desenvolvimento e, por meio da diversificação de parcerias, busca maior autonomia frente aos tradicionais aliados. Em menos de uma década, o governo brasileiro relançou projetos de integração regional (Unasul), estabeleceu parcerias multilaterais (Ibas, Brics) e adotou acordos bilaterais com potências regionais, mas também deu início à parceria estratégica Brasil-UE. Ainda assim, em meio ao redirecionamento da política externa brasileira, as relações com a Europa amainaram.
Há um consenso em Brasília de que a crise da zona do euro faz com que a UE perca parte de sua capacidade de atração, potencialmente deixando de ser um dos principais interlocutores do Brasil na arena internacional. Há ainda o interesse do Itamaraty em projetar o Brasil como uma força criativa na reorganização dos parâmetros das relações internacionais, moldando uma ordem mais representativa, igualitária e verdadeiramente multilateral.
A UE permanece como a maior fonte de investimentos externos no Brasil e um dos principais parceiros comerciais, mas, apesar da parceria estratégica, o sucesso das relações nesta área não se repetiu no ambiente político. É, portanto, preocupante que o motor desta relação comece a dar sinais negativos. Em 2012, os maus resultados da exportação europeia e a queda brusca dos investimentos, aliados às dificuldades para a assinatura do Acordo de Livre Comércio Mercosul-UE, apontam para um futuro pouco promissor para o diálogo entre Brasil e Europa.
Enquanto a UE perde relevância na agenda política e comercial do Brasil, outros países passam à frente. Este é o caso da China, que dentro de poucos anos deve ser tornar o principal destino das exportações brasileiras, e da Índia, com a qual o Brasil quadruplicou o comércio.
A perda de relevância econômica implica em uma sensível diminuição da influência política da UE. Ao longo da última década, a UE representou em média 23% do comércio do Brasil. Em janeiro de 2012, a balança comercial já apresentava o maior déficit dos últimos 39 anos (US$ 1,3 bilhão), tendo este sido causado, principalmente, pela redução dos preços das commodities (fundamentais na pauta de exportação brasileira) e pela queda geral das exportações do Brasil para a Europa, que contraíram em 34,8%.
A busca pela diversificação das parcerias internacionais, aliada à crise financeira e social na Europa, leva muitos a perguntarem se a UE ainda é um sócio viável, ou se o ideal seria privilegiar o diálogo com determinados países da União. Neste contexto, a parceria estratégica não chegou a ver seu caráter estratégico florescer. A cooperação política atingiu resultados decepcionantes, como pode ser visto nas posturas divergentes acerca da Primavera Árabe. Outro aspecto negativo da crise institucional vivida pela UE é a redução de seu soft power, o que se revela no menor impacto da União como modelo de integração para outras regiões, como a América do Sul.
A tendência negativa não é irreversível, mas só poder ser alterada caso os políticos europeus aceitem maior flexibilidade no processo de tomada de decisão e estabeleçam com mais clareza os objetivos externos da UE. O que o Brasil quer nas relações com a UE é justamente uma melhor definição acerca de com quem se deve conversar, quem é representado e o que os interlocutores europeus estão buscando. Esta demanda por uma política externa europeia mais bem articulada não é nova, mas vem agora aliada à demanda por maior flexibilidade por parte dos países europeus. Nos debates para a reforma do FMI e nas negociações sobre políticas para o meio ambiente isso já começa a ocorrer, mas é fundamental que o diálogo avance também em temas como segurança coletiva e comércio.
Por fim, apesar do difícil cenário, as percepções brasileiras sobre a Europa ainda são positivas, o que explica as manobras da presidente Dilma em reuniões dos Brics, Ibas e do G-20 para que haja maior esforço na ajuda à crise da zona do euro. Do mesmo modo, a UE e o Brasil ainda guardam um potencial enorme para cooperação econômica, política e em assuntos ambientais. Isso, por si só, faz com que valha à pena manter e desenvolver esta parceria.
Elena Lazarou é pesquisadora do Centro de Relações Internacionais da Fundação Getúlio Vargas e doutora pela Universidade de Cambridge