O Brasil e outros parceiros mostram crescente preocupação com atitudes protecionistas dos Estados Unidos e darão o sinal de alerta na avaliação sobre o estado da Rodada Doha, que será feita na Organização Mundial do Comércio (OMC) esta semana. Brasília vê nova contradição na atitude americana na área comercial, de estabelecer um plano de dobrar suas exportações em cinco anos ao mesmo tempo em que se recusa a desbloquear a negociação global para liberalizar o comércio.
“Não é razoável imaginar que em um passe de mágica se possa dobrar a exportação sem aumentar mecanismos artificiais distorcivos para seus produtos, ou de esperar redução unilateral de barreiras dos outros países”, afirmou o embaixador brasileiro junto a OMC, Roberto Azevedo.
O representante europeu de comércio, Karel de Gucht, em entrevista à imprensa belga, também considerou “desconcertante” inclusive o vocabulário usado pelo presidente americano Barack Obama na área comercial. “Ele fala sobre exportações e não sobre comércio”, disse de Gucht, estimando que a escolha não é por acaso. “Comércio é rota de mão dupla, significa aceitar que as importações também dobrem”, avisou.
Depois de passar por Washington, o ministro de Comércio da Índia, Anand Sharma, disse ter opinião “similar” com a dos europeus, segundo agências de notícias. Outros negociadores notam que, enquanto os EUA repetem ser a economia mais aberta do mundo, na prática é também a que mais distorce o comércio com dezenas de bilhões de dólares de subsídios para seus produtores, o que é uma das vias do protecionismo.
Brasil e EUA terão bilateral em Genebra para discutir Doha. Outra reunião será marcada fora de Genebra para discutir a compensação americana para o Brasil não retaliar produtos americanos no contencioso do algodão.
A política comercial dos EUA estará de novo sob os ataques dos países na OMC, quando os 153 países membros vão tentar definir o que fazer com a Rodada Doha, diante da recusa americana em negociar. O desafio é uma “sinuca de bico”: como criar um processo de negociação que permita a retomada de Doha, sabendo-se de antemão que vai levar a lugar nenhum. “O Brasil e outros 150 países estão interessados em desbloquear Doha o mais rápido possível, mas é evidente a absoluta incapacidade americana de negociar um resultado capaz de ser vendido a seu Congresso”, diz Azevedo.
Ilustrando a postura de Obama na área comercial, seu mandato está na metade e até hoje o presidente americano não conseguiu aprovar no Congresso o nome do embaixador junto à OMC.
O consenso em Genebra é de que não há condição alguma de se fazer algo no futuro previsível para reativar Doha. Assim, vários cenários estarão na mesa. Primeiro, seria congelar a negociação global, mas nenhum país vai se arriscar a propor isso formalmente e assumir o ônus político.
Segundo, China, Índia e países pobres defendem um pacote de “colheita antecipada” (do inglês early harvest) para o final do ano – ou seja, tentar garantir os primeiros resultados de Doha. O problema é definir quais temas. Um deles seria assegurar acesso livre para os produtos dos mais pobres nos mercados ricos e emergentes. Mas até nesta área os EUA se opõem, por causa de sua indústria têxtil.
Outra proposta inclui um acordo de eliminação antecipada dos subsídios à exportação agrícola. Mas aí é a União Europeia que recusa. O cenário de os países listarem os temas mais urgentes, para os lideres decidirem, levantado por Celso Amorim, ministro do Brasil, em Davos, tem a rejeição dos EUA. Washington não quer nem ouvir falar de discutir isso no G-20, reunindo as maiores economias. Também a ideia de um compromisso logo para facilitação de comércio (menos burocracia nas aduanas), tem pouco interesse para vários países.
Restariam dois cenários: primeiro, manter a situação atual sem nada em Doha. Isso só beneficia a inação dos EUA, que não têm condições de negociar nada, mas tampouco assumem essa situação e joga a culpa no Brasil, China e Índia.
Segundo, desmontar o pacote já negociado ao longo de oito anos, como Washington exige. Isso confunde tudo, as barganhas voltam quase a estaca zero. Esse cenário também resultará em nada no médio prazo porque os EUA continuam incapazes de reduzir seus subsídios agrícolas, diante do lobby protecionista que tende a endurecer com a proximidade das eleições legislativas de novembro.