A pecuária na América Latina será insustentável no longo prazo se o impacto ambiental não for reduzido e a produtividade melhorada, alerta a Agência das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Com a liderança do Brasil, o crescimento do setor na região é baseado nas exportações, mas a demanda doméstica também aumenta, criando oportunidades para expansão das vendas nos próximos anos.
Mas a FAO diz que a região se tornou a maior exportadora mundial de carne bovina em boa parte às custas “de sérias consequências ambientais”. E que o setor não poderá mais aproveitar as oportunidades comerciais ao custo do meio ambiente. A produção de gado tem hoje um enorme custo ambiental que frequentemente não é contabilizado no preço da carne sul-americana vendida na Europa e América do Norte, diz o estudo.
De acordo com a FAO, a degradação da terra e o desmatamento são generalizados na região por causa da produção extensiva de gado e da produção de soja em áreas sensíveis, como florestas.
Enquanto a Europa e a América do Norte desmataram amplas áreas de suas florestas no passado, a América Latina estaria no mesmo ritmo. Pelos dados da agência da ONU, mudanças no uso da terra, incluindo desmatamento, representam 46% das emissões de gases de efeito estufa da região, ante 18% nos países desenvolvidos.
O estudo estima que 70% das pastagens na América Latina estariam em processo de degradação entre moderada e severa, levando à baixa produção de carne por hectare e à baixa lucratividade. Com queda na produtividade nas áreas de criação, os pecuaristas desmatam outras áreas de florestas.
Além do desmatamento, o estudo aponta as emissões de metano que contribuem para a mudança climática. Para a FAO, o modelo de produção extensiva na América Latina é particularmente ineficiente em termos de emissões por unidade do produto. O estudo aponta ainda a pecuária como o segundo maior causador de emissões, depois da produção de energia.
Com a proximidade da Conferência do Clima da ONU no mês que vem em Copenhague, a pecuária está sob renovado escrutínio por sua contribuição na emissão de gases de efeito estufa. Muita atenção é dada à América Latina pelo peso do Brasil no mercado de carnes.
A pecuária (bovino, suínos, frango, ovelhas etc) contribui com 45% do PIB da agricultura da América Latina e Caribe, com receita anual de US$ 79 bilhões. Representa 13% da produção total do setor no mundo e tem crescido 4% ao ano, o dobro da média mundial.
A produção de carne bovina e leite são as mais importantes em valor, com 62% do total regional. A produção de frango representa 30% em valor, liderada pelo Brasil. A produção de suínos fica com 7%.
A América do Sul lidera a produção de carne bovina no mundo, com 43% das exportações mundiais em 2008, lideradas pelo Brasil (56,1% do total da região), seguido pela Argentina e Uruguai (11,7% cada), Paraguai (8%) e Colômbia (5%). Os principais mercados importadores de carne bovina são os EUA e a Rússia, mas a China aumenta suas compras.
Segundo a FAO, o Brasil deve ampliar a produção na próxima década, provavelmente recuperando solos degradados e intensificando a produção em “terras abertas na floresta”.
O país tem sido alvo de críticas no exterior, acusado de destruir a Amazônia para criar gado e plantar soja. Esta semana, em Roma, o presidente Lula insistiu que metade da redução de emissões do país virá com menos desmatamento, o que envolve o setor agropecuário.
A pressão sobre a pecuária é forte. O jornal International Herald Tribune publicou um material especial sobre o “negócio da alimentação”, analisando como resolver o problema do metano e da carne.
As emissões de metano dos bovinos representariam entre 18% e 51% das emissões de gases da pecuária, dependendo da forma de cálculo. Por outro lado, o consumo global de carne e lácteos é projetado para mais que dobrar até 2050.
Jason Matheny, diretor da New Harvest, uma organização de pesquisa, é citado na reportagem prevendo que em 10 anos o mundo terá carne produzida em in vitro, a partir da cultura de células, ao invés do in vivo, ou seja, do animal.
As campanhas para se consumir menos carne também se propagam. Na Inglaterra, existe o “Meat Free Mondays”, ou seja, segunda-feira sem carne. Na Dinamarca, uma coalizão de restaurantes propõe um menu ecológico para reduzir as emissões de gases de efeito estufa.
A FAO aponta direções para reduzir a oposição ao produto. Primeiro, alerta que os pecuaristas precisam aderir à luta contra a mudança climática porque o fenômeno tem efeito negativo na produção, por exemplo, facilitando a propagação de doenças entre os animais e causando prejuízos. Alerta ainda que mais e mais o mercado internacional vai exigir a “pegada ecológica” (carbon footprint) da carne e lácteos comercializados.
Assim, é necessário reduzir as emissões por unidade de produto para manter a competitividade e ganhar mercado. Ou seja, investimentos na área ambiental serão muito lucrativos no longo prazo.
Para aumentar a produtividade de forma sustentável, sugere aos governos políticas de recompensa pelo uso sustentável da terra, conservação da água, biodiversidade e redução de emissões, além de melhor saúde animal.