Oito fiscais federais agropecuários que trabalham no Serviço de Vigilância Agropecuária Internacional do Porto de Santos denunciaram irregularidades no sistema de controle e fiscalização dos produtos de origem animal e vegetal que entram e saem do País por aquele terminal. Na denúncia, que os fiscais encaminharam ao Ministério Público Federal no dia 10 de julho, foram apontados problemas na auditagem agropecuária do porto. Os fiscais alegam ter sofrido represálias ao buscar a adequação dos procedimentos às normas estabelecidas pela legislação.
As principais irregularidades e deficiências apontadas pelos fiscais são a ausência de inspeção física na maioria dos contêineres, tanto na exportação quanto na importação de produtos, a falta de sistema de alerta informatizado entre os portos, aeroportos e postos de fronteira, a liberação de carnes e derivados para a Alemanha, Holanda, Rússia, o Reino Unido, a França, Hong Kong, os Estados Unidos e o Egito.
Além disso, eles denunciam a liberação de certificado sanitário internacional emitido e assinado por pessoas sem habilitação legal, a liberação de produtos sem a formação de processo regular pelo Ministério da Agricultura, ao qual está vinculado o Serviço de Vigilância Agropecuária Internacional do Porto de Santos, a liberação de produtos cuja exportação é proibida pela União Europeia e o deferimento de produtos de responsabilidade do ministério no Sistema Integrado de Comércio Exterior (Siscomex), sem que o processo esteja devidamente formado.
Os fiscais apontam ainda problemas nos navios que fazem cruzeiros marítimos, nos quais alimentos destinados aos passageiros estariam sendo liberados sem fiscalização. Conforme a denúncia, tais alimentos, incluindo carne e derivados, permanecem no cais, dentro de contêineres que são abertos e fechados diversas vezes para o abastecimento dos navios, o que contribuiria para a ocorrência de casos de intoxicação alimentar durante as viagens.
O lixo produzido nas embarcações, seu tratamento e sua destinação também foram pontos destacados pelos fiscais. Eles afirmam que não há como cuidar do lixo nos navios – a fiscalização ignora esse material, o porto não dispõe de incineradores e os terminais não têm autoclaves. O destino dos resíduos não é fiscalizado e todo o material produzido nos navios é levado para aterros sanitários, lixões ou lançado ao mar, afirmam os fiscais.
A denúncia cita ainda a falta de verificação da bagagem dos estrangeiros que desembarcam no País, conforme determina a legislação, o que não vem ocorrendo. Com isso, há risco de entrarem no País doenças ou insetos provenientes de outros locais, pondo em risco o ecossistema nacional.
Segundo o veterinário e fiscal federal agropecuário Alexandre dos Reis Inácio, as consequências de tais irregularidades podem ser danosas para o comércio exterior do Brasil, já que normas contidas em tratados internacionais estão sendo descumpridas. “A União Europeia exige certificação para que nosso produto de origem animal entre lá. Uma vez que os processos passam pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e são liberados sem nenhum tipo de informação de processo, realmente estamos colocando em risco o comércio internacional e a saúde pública.”
Ele ressaltou que grande parte do controle de carnes e derivados, produtos lácteos, mel e ovos vem sendo feita apenas “no papel” e que alimentos são liberados por pessoas não habilitadas. “Tem muita coisa feita só com documentos, papéis muitas vezes sem respaldo.” Há, por exemplo, liberações com requerimento alegando que o importador não exige certificado, o que é “absurdo”. Inácio lembra que os países exigem os certificados com base em tratados sanitários internacionais.
Para ele, os responsáveis pelas irregularidades são os próprios gestores do serviço de vigilância do Porto de Santos que, de alguma forma, têm dado aval a essas ações. Segundo ele, as normas vêm sendo descumpridas desde 2003, mas os fiscais só as descobriram em 2007, ao assumir postos no local. “Nessa época, houve tentativa de implementação de controles efetivos e, no início de 2008, isso foi impedido pelos gestores. Em menos de dois meses todo o processo se reverteu e nós, fiscais, passamos a ser personae non gratae.”
O advogado dos fiscais, Quirino Goulart, destacou que eles foram, de alguma forma, afastados de suas atividades no porto, ou removidos para outras funções. De acordo com o advogado, além disso, passaram a ter avaliações mais baixas e, com isso, queda na remuneração, além de sofrer processos administrativos.
Goulart disse que não há motivo para o afastamento dos profissionais, que tentaram cumprir a lei e são eficientes. “O que há contra eles é uma acusação sem a descrição de fatos ilícitos. Os responsáveis por essas ações estão sendo processados por danos morais em R$ 5 milhões, além da representação encaminhada ao Ministério Público.”
A representação está no Ministério Público Federal em Santos, mas ainda não há informações sobre o andamento do caso.
Procurado pela Agência Brasil, o Ministério da Agricultura não deu retorno.