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Agronegócio

Produtividade no campo

Horizonte é de evolução para as principais cadeias do agronegócio, mas câmbio e "gargalos" atrapalham a força do setor.

Produtividade no campo

Não será por falta de produtividade que o agronegócio brasileiro perderá força nos próximos anos. Para praticamente todas as cadeias mais importantes do setor, as projeções de longo prazo indicam ganhos progressivos de eficiência, suficientes para garantir o abastecimento doméstico e defender a posição de destaque do País no mercado internacional. O problema é que velhos riscos e gargalos, como câmbio e deficiências logísticas, mostram que nem só de produtividade vive o campo, e que para as profecias positivas se realizarem é preciso combatê-los.

Extenso trabalho publicado na semana passada pelo Ministério da Agricultura aponta que, entre as principais culturas agrícolas do País, apenas a cana deverá apresentar queda de produtividade na próxima década, em parte graças à expansão do plantio em regiões com condições naturais menos propícias A retração, estimada em 1,76% ao ano, será compensada por um aumento de área (4,09% ao ano até 2019/20) e, assim, a produção tende a crescer 2,26% ao ano até atingir 893 milhões de toneladas.

E ainda assim há controvérsias. Com novas variedades convencionais e transgênicas em desenvolvimento em época de ampliação das apostas em biocombustíveis como o etanol, a indústria canavieira prevê que seus dois principais produtos, açúcar e álcool, vão, sim, continuar evoluindo. Marcos Jank, presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), lembra que na década de 70 a produtividade do etanol era de 3 mil litros por hectare, que hoje o rendimento já é de 8 mil litros por hectare e que na próxima década há estudos que apontam 14 mil.

Entre os demais produtos analisados pelo ministério, apenas ganhos de produtividade. O maior salto previsto é para o arroz (4,77% ao ano), seguido por batata inglesa (2,62%), algodão (2,61%), trigo (2,29%), feijão (2,05%), milho (1,92%), laranja (1,48%), soja (0,92%), mandioca (0,58%) e fumo (0,4%). Desta lista, café, laranja, arroz, feijão e batata inglesa deverão perder área plantada, mas todos aparecem com previsões de incremento da produção, proporcionado por técnicas de plantio mais modernas – adensamento, por exemplo – e novas tecnologias.

Confirmadas, as previsões representarão a continuidade de um movimento iniciado há décadas, e isso para os cultivos nacionais mais “recentes”. Na década de 70, quando começava a ser introduzida em Mato Grosso, a soja, hoje o carro-chefe do agronegócio nacional, apresentava produtividade média de 30 sacas por hectares no Estado; atualmente, a média já supera 50 sacas, acima da média registrada nos EUA.

Cálculos do Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone), apontam que entre as safras 2002/03 e 2009/10 o aumento médio da produtividade da soja brasileira foi de 1,22%, mais que o dos EUA (1,13%) e menos que o da Argentina (1,33%). Apesar de perder para o País vizinho neste caso, a produtividade do Brasil é 1,3% maior; na comparação com os americanos, ainda é 3,4% menor. EUA, Brasil e Argentina são, nesta ordem, os maiores produtores e exportadores de soja do mundo.

No caso do milho, o levantamento preparado pelo diretor-geral do Icone, André Meloni Nassar, identifica que a produtividade do milho plantado no Brasil aumentou 3,39% ao ano entre as safras 2002/03 e o que se espera do ciclo atual (2009/10), ante evolução anual média de 1,84% nos EUA e de 3,46% na Argentina. Aqui, contudo, a eficiência brasileira ainda é muito menor que a dos concorrentes, o que ainda deixa as exportações brasileiras dependentes de problemas em outros fornecedores.

“O custo do milho é superior ao da soja, e a soja é uma lavoura que apresenta menos riscos. Assim, o viés de Brasil e Argentina é para a soja, que tem mais liquidez e costuma apresentar maior retorno por hectare. Nos EUA, que é eficiente, a preferência do produtor é pelo milho”, afirma Nassar. Questões culturais e familiaridade com a cultura também pesam. Na dúvida, quem pode optar por soja ou milho em Argentina e Brasil plantam soja, enquanto nos EUA, milho.

De acordo com análise do Cepea/Esalq, o custo de produção de soja em uma propriedade típica de Iowa, nos EUA, foi de US$ 366 por hectare na safra 2006/07, ante os US$ 438 de uma fazenda típica do Paraná, US$ 332 em Mato Grosso e entre US$ 150 e US$ 227 na Província argentina de Buenos Aires. O estudo realça que as vantagens operacionais argentinas incluem a baixa utilização de fertilizantes, porque os solos são melhores, e a menor aplicação de defensivos, já que a incidência de doenças ainda é menor.

Quando incluídos o custo da terra, a depreciação de máquinas e outros custos fixos, a soja de Iowa custava US$ 745 por hectare, ante US$ 617 em Buenos Aires e US$ 602 no Paraná. E aqui aparece uma das principais vantagens brasileiras, que é o custo mais baixo das terras. Os preços estão em alta no Brasil, como apontou estudo recente da consultoria AgraFNP divulgado pelo Valor, mas ainda são vantajosos em relação sobretudo aos EUA.

“Hoje não há terras disponíveis nos EUA e a Argentina, que tem custo menor, pratica sua política de retenção às exportações. O Brasil, que não tem os subsídios americanos mas conta com uma política agrícola mais forte que a Argentina, tem terras mais baratas e água disponível, mas também enfrenta problemas. No Sul, por exemplo, não há mais espaço para grandes investimentos, enquanto no Centro-Oeste e na região do Mapito [confluência entre regiões de cerrado dos Estados de Maranhão, Piauí e Tocantins] falta infraestrutura”, diz André Nassar.

Para efeito de comparação, análise da Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia (Sober) de 2007 mostrou que, enquanto o hectare custava, em média, US$ 6.672 nos EUA, o preço médio no Brasil foi de US$ 2.312. Conforme a AgraFNP, no bimestre novembro-dezembro de 2009 o preço médio do hectare brasileiro ficou em R$ 4.593 (US$ 2.641,46), com altas de 5% em 12 meses e de 40,2% em 36 meses.

Para a soja e outras oleaginosas ainda menos competitivas, acredita o consultor Ingo Plöguer, diretor da Associação Brasileira de Agribusiness (Abag), a expansão do uso do biodiesel também é um fator positivo. “Temos boas fontes. A canola, por exemplo, e a própria cana, a partir da qual também faremos biodiesel. Podemos chegar a ter no Brasil, com etanol e biodiesel, entre 70% e 75% de energia renovável em uma matriz sustentável”, afirma ele.

As vantagens naturais brasileiras – clima, mão-de-obra mais barata e terras e água disponíveis, especialmente – também aparecem nos segmentos de carnes, que são igualmente beneficiados pela disponibilidade de grãos para ração. Na cadeia bovina, as pastagens brasileiras resultam em custos muito mais vantajosos que os confinamentos, enquanto na de frango e de suína predomina um competitivo sistema de integração, desenvolvido paralelamente ao dos EUA. “O status sanitário do País é bom. Há novas exigências, mas a indústria costuma atendê-las. A integração, por exemplo, garante a rastreabilidade da carne”.

Todas as vantagens, algumas delas repetidas há décadas, certamente colocam o Brasil em uma posição confortável em tempos de constantes ameaças de disparadas dos preços internacionais e preocupação crescente com a autossuficiência alimentar em países ricos e pobres. Até a safra 2019/20, segundo o Ministério da Agricultura, a produção de soja crescerá 2,86% ao ano, a taxa de incremento anual do milho está calculada em 2,67% e a das carnes ficará entre 2% (bovina) e 3,64% (frango).

Mas para todas as principais cadeias do agronegócio nas quais as exportações têm influência vital em ganhos de escala e formação de preços, além dos gargalos logísticos e tributários há a questão do câmbio, e o real valorizado como está não compensa os demais problemas e afeta a competitividade brasileira no exterior, ainda que ajude a manter a inflação doméstica sob controle.