A proposta conjunta da União Europeia e do Brasil que sinaliza uma nova abordagem para impor limites a subsídios agrícolas domésticos provoca divergências entre autoridades agrícolas do bloco europeu, o que ilustra a dificuldade do tema. Um documento foi apresentado pelos parceiros com um mês de atraso em relação ao prazo inicialmente previsto, justamente para que a Comissão Europeia, o braço executivo da UE, tivesse mais tempo para buscar um consenso entre os países em um comitê de comércio do bloco.
Mas na segunda-feira, ao mesmo tempo em que o texto era anunciado na Organização Mundial do Comércio (OMC), em Bruxelas, mais da metade dos ministros de Agricultura dos 28 países-membros da UE mostraram sua resistência e descontentamento. Pela proposta, os países se comprometeriam a passar a oferecer subsídios capazes de distorcer o comércio num percentual do valor de sua produção agrícola. Ou seja, o plano coloca os países em situação de igualdade em termos da intensidade da subvenção e diminui os apoios atualmente concedidos.
O documento também sugere regulamentar o uso de estoques públicos, reduzindo o impacto negativo nos preços internacionais. E contempla uma proposta específica para o algodão, visando fixar um limite máximo de aporte de subsídios ao produto para evitar prejuízos aos países em desenvolvimento – sobretudo os menos desenvolvidos, afetados pelas medidas de apoio interno dos países desenvolvidos.
Na reunião de Bruxelas da UE, mais da metade dos ministros de Agricultura, liderados pela França, não contestaram a cooperação com o Brasil, e sim o que veem como risco de a proposta condicionar a reforma da Política Agrícola Comum em 2020. A principal inquietação, que vem também de países do Leste Europeu, envolve os limites da “caixa azul”, que inclui as ajudas ligadas a programas de controlo da oferta e hoje está isenta de compromissos de redução da produção. Para os opositores, a UE precisa ter uma “margem de manobra”.
Países liberais tradicionais, como Suécia e Holanda, foram enfáticos na defesa de um comércio mais livre e na iniciativa da UE de tomar a liderança com o Brasil nas discussões agrícolas na OMC. A discussão ilustra diferentes posturas dos próprios europeus, com ministros de Comércio mais ofensivos e autoridades agrícolas tratando de atender sua clientela protecionista de sempre. Não é isso que vai impedir a negociação do texto na OMC, mas pode limitar o espaço da UE nas barganhas.
Pedro de Camargo Neto, vice-presidente da Sociedade Rural Brasileira (SRB), considera a proposta melhor para a UE do que para o Brasil. “Fixar um limite com base em um percentual da produção [para subsídio] pode parecer bom, mas não vejo possivel esse limite ser baixo (…) E ficou faltando limites por produto. Um limite da producao geral jogado em alguns produtos específicos pode ser muito ruim para o Brasil”.
Segundo ele, para o Brasil interessa limitar a concorrência com os principais produtos de exportação. “Toda a proposta não fixa a atenção na concorrência desleal que as exportações do Brasil sofrem”. Em sua análise, parceria com a UE deu certo em Nairobi, na última conferência da OMC, quando foi feito um acordo para a eliminação de subsídios à exportação agrícola. Para a conferência em Buenos Aires, disse, os europeus não são os parceiros certos.
O adido agrícola do Brasil em Genebra, Luís Henrique Barbosa, reconhece que não foi possível atingir a proposta ideal, mas disse que o documento reflete um pacote considerado factível pelo governo brasileiro no atual contexto econômico mundial. Ele destaca que, mesmo se a proposta for aprovada em Buenos Aires, “o Brasil continuará trabalhando para que a liberalização do comércio de produtos agrícolas alcance níveis satisfatórios”.