O Fundo Monetário Internacional (FMI) vai reexaminar o seu tradicional receituário econômico e, entre as novas diretrizes em discussão, estão políticas adotadas no Brasil nos últimos anos, como meta de inflação na casa dos 4%, regulação bancária mais dura, altos compulsórios e intervenções para evitar oscilações bruscas na taxa de câmbio.
“Muitas dessas propostas não são novidade para nós”, disse ao Valor o diretor-executivo para o Brasil do FMI, Paulo Nogueira Batista, que também representa outros oito países. “A crise está provocando uma grande mudança nos paradigmas do Fundo.”
Na sexta, o economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, divulgou um documento que questiona as políticas recomendadas pelo organismo nos últimos anos. Ele propõe que os países aumentem as suas metas de inflação, hoje majoritariamente em torno de 2%, para 4%. Dessa forma, os juros nominais seriam mais altos, na casa dos 6% ou 7% ao ano, com gordura suficiente para serem cortados em caso de uma forte desaceleração econômica, como a atual.
O Brasil adota uma meta de inflação de 4,5% há cinco anos e, em 2007, houve um acirrado debate sobre reduzi-la. Alguns diretores do FMI chegaram a defender um percentual menor na reunião que aprova o relatório anual sobre a economia brasileira, recorda Nogueira Batista. Consultado pelo Valor, Blanchard não quis comentar se o Brasil é uma espécie de modelo para o novo receiturário do FMI. “Deixarei o documento falar por si”, disse o economista-chefe da instituição.
Desde a década de 1980 até a crise atual, sustenta Blanchard no documento, o mundo viveu um período de crescimento e inflação estáveis, que ficou conhecido como “A Grande Moderação”. Nele, forjou-se o consenso de que o melhor que os bancos centrais poderiam fazer pela economia era usar seu único instrumento disponível, a política monetária, para perseguir um único objetivo, a inflação mais baixa. Inflação baixa, por si só, criaria ambiente propício para a economia crescer dentro de seu potencial.
A crise atual, pondera o economista do FMI, mostrou que os bancos centrais devem perseguir explicitamente outros objetivos, como estabilidade financeira, combate a bolhas e uma taxa de câmbio menos volátil, evitando sobrevaloralizações em tempos favoráveis que levam a rápidas depreciações nas crises. E, para alcançá-los, os países devem adotar outros instrumentos além da taxa de juros, como políticas regulatória, fiscal e cambial mais ativas.
“É uma recomendação que, para nós, parece óbvia”, afirma Nogueira Batista. “O Brasil nunca embarcou nesse consenso ilusório de que existe um instrumento e uma meta.” Ele lembra que, nas reuniões internas de avaliação da economia, o Brasil foi criticado por alguns diretores que diziam, por exemplo, que o Banco Central estava comprando muitos dólares nas suas intervenções no mercado de câmbio e que o acúmulo de reservas internacionais era exagerado e tinha custos fiscais muito altos.
O relatório do FMI sobre a economia brasileira de 2007 afirma que “para vários diretores do Fundo a redução na magnitude das intervenções (cambiais) ajudaria a atenuar o efeito das posições especulativas unidirecionais no movimento da taxa de câmbio e a minimizar os custos fiscais de esterilização”.
Nogueira Batista ressalta que o texto divulgado por Blanchard não reflete, necessariamente, a posição do FMI. Mas, assinala ele, o documento é importante porque foi escrito pelo diretor do Departamento Econômico do Fundo, junto com outros dois economistas da casa, e deve ser levado em conta nas discussões sobre o papel do organismo financeiro mundial.
Blanchard diz, no seu documento, que no consenso econômico anterior, a regulação financeira era vista como uma questão apenas microeconômica. O Brasil, porém, adotou várias regulamentações prudenciais para contar riscos macroeconômicos, como limites na exposição cambial dos bancos.