Os países em desenvolvimento mostraram ontem um claro racha sobre as condições para retomar a Rodada Doha e concluir rapidamente o acordo global de liberalização agrícola, industrial e de serviços, numa série de articulações em Paris. Brasil, Índia e África do Sul, com influência decisiva na negociação, divulgaram comunicado advertindo os EUA de que no meio do pior ambiente econômico desde a depressão dos anos 30, seria “pouco razoável e irrealístico” esperar mais “concessões unilaterais” dos países em desenvolvimento.
Já um grupo de 11 países, que inclui México, Chile, Colômbia, Peru, Uruguai e Costa Rica, propôs um acordo rapidamente em Doha sem as mesmas precauções. O grupo, que já tem tarifas bastante baixas, pede para os parceiros mostrarem “vontade política”, argumentando que a conclusão da rodada ajudaria a retomada econômica.
Ron Kirk, o novo negociador comercial chefe dos Estados Unidos, só conseguiu mesmo uma promessa de que os países podem aceitar negociações bilaterais diretas também, para discutir barganhas, mas na prática é o que já vinha ocorrendo. Kirk queria partir com um claro compromisso de que a abordagem da negociação mudou. Para o Brasil isso significaria reconhecer que há insuficiências nas concessões dadas aos EUA. E a resposta foi um claro “não”.
Um grupo de 12 ministros se reuniu na embaixada da Austrália com o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), Pascal Lamy, mas não houve avanço. Para o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, o fato positivo foi que EUA e Índia demonstraram disposição de conversar.
Como retomar a negociação, porém, é outra questão em aberto. Surgiram propostas de se tentar concluir a negociação global até meados do ano que vem, o que não agradou ao Brasil. “Isso me deu arrepios, porque estaremos em plena campanha eleitoral”, reagiu Amorim. Para o Brasil, a negociação teria de avançar este ano, porque no meio de período eleitoral fica difícil usar mesmo a pequena flexibilidade que ainda dispõe o país para negociar corte tarifário.
Lamy, por sua vez, jogou na mesa as cifras de queda livre do comércio mundial: contração de 14% no comércio dos países desenvolvidos e 7% nos países em desenvolvimento. Só que estes dependem mais do comércio e sofrem mais as consequências da crise global.
Na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), também houve uma enxurrada de discursos, com vários ministros alertando sobre os perigos do protecionismo.